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Opinião

O que a comparação entre Joselma e Negrini mostra sobre envelhecer no país

Nas redes sociais e na mídia, uma imagem se tornou viral esta semana: fotos da participante Joselma, do BBB, ao lado de Alessandra Negrini, ambas com 54 anos. Os fãs do BBB 25 passaram a criticar o rótulo de 'idosa' que Joselma recebeu na casa alegando que a dona de casa pernambucana tem a mesma idade da atriz.

Não demorou para que comentários comparativos surgissem, celebrando a aparência jovem de Alessandra e, muitas vezes, julgando a aparência de Joselma (até mesmo o influencer Carlinhos Maia criticou o fato de haver mulheres que ele chamou de "véias" nesta edição do programa).

Mas o que essa comparação revela, de fato, sobre o envelhecimento feminino no Brasil? Será que todas as mulheres 50+ têm o privilégio de envelhecer com saúde e bem-estar, pele bem cuidada, corpo sarado, como Alessandra e outras famosas de nossa geração?

Joselma contou sobre sua infância vivida em situação de pobreza e os anos em que vendeu marmita para sustentar a família. Ou seja, é fácil concluir que não deve ter tido acesso a tratamento de qualidade para a menopausa, atividade física na academia, alimentação saudável (ela já comentou com os brothers do programa que fuma e consome álcool e não é chegada em comida saudável).

Muito menos a todo o arsenal dos consultórios dos melhores dermatologistas do país que atendem celebridades como Alessandra para atenuar as marcas do tempo.

Um estudo recente feito pela Rede Nossa São Paulo revelou um dado alarmante: moradores de bairros nobres da capital paulista, como Alto de Pinheiros, têm uma expectativa de vida de cerca de 80 anos. Já em bairros periféricos, como Cidade Tiradentes, a expectativa cai para 58 anos.

Isso significa que, para muitas mulheres em condição de vulnerabilidade, a faixa etária dos 50 anos já representa a "velhice", enquanto para outras, é apenas o começo de uma maturidade plena. São 23 anos a mais de expectativa de vida para quem vive a apenas 19 quilômetros de distância da periferia. No Brasil, vale lembrar, a idade considerada idosa é de 60 anos ou mais.

Essa disparidade reflete desigualdades estruturais no acesso à saúde, alimentação, saneamento básico e oportunidades de trabalho. Alessandra Negrini, com acesso a tratamentos estéticos, acompanhamento médico de qualidade e um estilo de vida que permite cuidar do corpo e da mente, é um exemplo do privilégio que apenas uma parcela da população feminina brasileira pode alcançar.

Por outro lado, Joselma representa as milhões de mulheres que, muitas vezes, são as primeiras a abdicar de seus próprios cuidados em prol da família e que vivem realidades marcadas por trabalho exaustivo e falta de políticas públicas voltadas ao envelhecimento digno.

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Os números são ainda mais duros para as mulheres negras. Dados do IBGE mostram que a expectativa de vida de mulheres brancas no Brasil é, em média, 8 anos maior do que a de mulheres negras. Além disso, essas mulheres têm menos acesso a serviços básicos e enfrentam um acúmulo de desigualdades ao longo da vida que impacta diretamente como envelhecem.

Menopausa desamparada

O que dizer então sobre o tratamento para a menopausa, cujos sintomas costumam afetar as mulheres na idade de Alessandra e Joselma. O Brasil não possui uma política pública que garanta acesso ao tratamento ideal para todas as mulheres na idade do climatério.

Portanto, ao discutir se Joselma pode ou não ser chamada de idosa aos 54 anos, precisamos olhar para além da aparência e do debate superficial sobre juventude. O Brasil é um país onde envelhecer bem é um privilégio reservado a poucos. A questão não é se Joselma é idosa ou não, mas por que tantas mulheres chegam à metade do século de vida carregando no corpo e no rosto as marcas de um sistema desigual.

A reflexão que fica é: como podemos garantir que todas as mulheres tenham direito a uma longevidade com qualidade de vida?

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Enquanto isso não for uma realidade, comparações como essa só reforçam as barreiras sociais que insistem em definir quem pode ou não ser visto como jovem, saudável ou digno de envelhecer com qualidade de vida. Envelhecer é um processo natural, mas envelhecer bem deveria ser um direito de todas, não um luxo de algumas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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