'Você não está velha aos 62': empoderamento ou etarismo estrutural?

Ler resumo da notícia
Recentemente, a atriz Cláudia Ohana realizou um protesto contra o etarismo e compartilhou vídeo em suas redes sociais desfilando na avenida Paulista, em São Paulo, com um cartaz onde se lia:
"Você não está velha aos 62".
A frase, celebrada como inspiradora na mídia e nas redes, foi um gesto de autoestima e liberdade da atriz, que tem 62 anos. Mas ela também revela algo mais profundo, que merece uma reflexão: o etarismo estrutural, um preconceito tão arraigado e socialmente aceito que, muitas vezes, reproduzimos até quando tentamos combatê-lo.
Ao dizer que alguém "não está velha" aos 62, não estamos sugerindo que ser velha é algo ruim, a ser evitado? Que só é digna de admiração quem ainda não "parece velha", está em ótima forma física, com rugas atenuadas —como se velhice fosse uma falha, não uma fase legítima da vida?
Como diz a escritora e ativista Ashton Applewhite, referência global no combate ao etarismo:
"Velho não é uma palavra ruim. O que é ruim é o preconceito contra quem é velho".
Nessa lógica, mulheres são incentivadas a lutar contra o tempo —tentando manter aparência, energia e comportamento jovens para sempre. Mas a consequência é uma autoestima baseada na negação, que gera ansiedade, consumo excessivo de cosméticos, procedimentos e culpa. Ou seja, no final, a gente não estaria criando um novo padrão para o que é ser "velho"?
Afinal, quem é velha?
Em São Paulo, onde o vídeo foi gravado, a expectativa de vida varia enormemente. No bairro de Anhanguera, a média de vida é 58 anos, de acordo com um estudo da Rede Nossa São Paulo, chamado "Mapa da Desigualdade".
Esse levantamento mostra como a desigualdade social afeta diretamente o tempo de vida das pessoas, dependendo do bairro onde vivem. Aos 62, Cláudia Ohana já superou essa marca. Seria ela velha? Longeva? Jovem ainda?
Na periferia, a expectativa de vida chega a ser 23 anos menor do que em bairros ricos. Quem define o que é ser velha nesse caso?
Com os avanços da medicina e mudanças culturais, muitas pessoas de 40, 50, 60 anos estão em melhor forma física e mental que gerações passadas, isso é inegável. Mas isso não significa que precisamos negar a velhice —significa que podemos redefinir o que ela representa.
Por que insistimos em dizer que "60 são os novos 40", "50 são os novos 30" quando poderíamos dizer:
"60 são os novos 60"?
E, mais importante: e quem não tem aparência jovem, ou saúde perfeita aos 60, ou não faz procedimentos estéticos, assume os cabelos grisalhos? Essas pessoas são as "velhas" então? E isso seria um problema?
Negar o envelhecimento só reforça a exclusão. Aceitar é incluir. O verdadeiro empoderamento está em valorizar a idade, não em tentar apagá-la.
Ressignificar: envelhecer como conquista
A verdadeira revolução não é negar ser velha. É aceitá-la como potência, liberdade e presença. Como Ashton Applewhite resume:
"Se viver mais é bom, ser velho também deveria ser".
Talvez, no lugar de "você não está velha aos 62", o cartaz do protesto de Claudia Ohana pudesse dizer:
"Velha e valiosa aos 62"
"60 são os novos 60"
"Velha sim - e maravilhosa"
"A idade me liberta"
"Velha, livre, leve e solta".
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.