'Mudei de país com gêmeos doentes, alucinações por cansaço e pai na UTI'

Mudar de país com filho pequeno já não é das tarefas mais fáceis, imagine com dois. Com gêmeos recém-nascidos - que quase morreram cinco vezes -, uma empresa de tecnologia em fase de captação de investimentos, e o próprio pai na UTI, a empreendedora Marina Proença se viu diante do desafio de deixar o Brasil para construir uma nova vida em Singapura. "Sou a rainha do perrengue", adianta ela.

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Filha de uma professora e um vendedor de rua, a empreendedora cresceu com o sonho de construir um futuro diferente. Ela traçou um plano, que exigiu anos trabalhando no mercado de tecnologia, para se dedicar integralmente à criação dos filhos até os quatro anos de idade quando a hora chegasse.

Ela tinha saído de São Paulo depois de fechar a operação de uma startup que chegou a 750 funcionários em 16 meses em dois países. "Uma loucura. Tinha 15 mil empreendedores dependendo de mim durante a pandemia." Depois de um mini sabático de três meses, Marina planejou detalhadamente os próximos passos - de carreira e vida - e decidiu arriscar mais: falou não para uma vaga convencional, e empreendeu dentro de um modelo de negócio que acreditava ser perfeito para conciliar com a maternidade.

Um único embrião fez nascer os gêmeos Kai e Leo
Um único embrião fez nascer os gêmeos Kai e Leo Imagem: Arquivo Pessoal

Gêmeos a caminho, pai na UTI e uma mudança para Singapura

Em 2023, enquanto captava investimentos para a startup de mentoria com inteligência artificial, Marina implantou um embrião com ajuda da Fertilização In Vitro (FIV). Ela estava certa de que daria errado, afinal sabia que não é tão simples dar certo de primeira. Porém, deu certo, e com uma surpresa ainda maior: o único embrião implantado se dividiu em dois!

Uma triste notícia chegou junto com a gravidez: seu pai teve que ser internado na UTI em estado crítico, iniciando uma batalha de onze meses pela vida. "Eu estava grávida, tentando manter uma empresa, e lidando com o estado de saúde do meu pai. O caos era absoluto", relembra.

E o outro país? O que houve foi que, anos antes, Marina e o marido já haviam discutido a possibilidade de morar fora, considerando países como Singapura, por ter economia estável e segurança, mas a ideia foi deixada de lado. Porém, de repente, após os gêmeos completarem três meses, uma oferta de trabalho para um cargo na diretoria de marketing em uma empresa em Singapura apareceu, e Marina topou a aventura.

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Eu surtei. Como me mudar com gêmeos pequenos, uma empresa nascendo e meu pai na UTI? Fui descobrir.Marina Proença, 39, empreendedora e mãe

Despedida do pai

Sentindo a dor de ter deixado o pai, que ficou na UTI por nove meses, ela narra chorando as lembranças de quando foi embora.

"Tinha certeza de que não iria mais ver meu pai. Uma hora antes de sair com a mudança, ficamos conversando e, quando saí, ele começou a gritar. Tive que ir andando até o elevador sem poder voltar, escutando ele dizer 'não quero que você vá embora'. Foi uma das piores sensações da minha vida, porque ali eu abri mão de algo muito importante, que era minha família de origem, para cuidar dos meus filhos, que são a minha família agora junto com meu marido."

O avô materno de Kai e Leo morreu 49 dias depois da vigem da filha, mas ela deu um jeito de participar do velório online e fazer um ritual em família na varanda do apartamento em Singapura, via Google Meet. "Todo dia falo com minha mãe ou minhas irmãs. Definitivamente a parte mais difícil de tudo é não as ter para tomar um café preto no meio da tarde. Perdi as pequenas coisas do dia a dia, mas ganho uma vivência internacional com enormes benefícios para os meninos desde pequenos", pondera.

País novo, engasgos e alucinações por cansaço

Ser mãe de gêmeos já é um desafio, imagine quando os dois enfrentam problemas de saúde e você muda de país. Mas antes de deixar o solo brasileiro, é importante contar que Marina já enfrentou sustos. Logo nos primeiros 30 dias de vida, Kai e Leo começaram a engasgar, mas não eram engasgos comuns, ambos chegaram a parar de respirar na mesma noite.

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Foi desesperador. Fiz manobras de desengasgo, o resgate chegou, mas parecia que a gente estava num filme de terror. Quando eu estava no hospital com um deles, meu marido ligou para o resgate voltar para casa, porque o outro tinha engasgado e não voltava depois de quatro manobras.Marina Proença, 39, empreendedora e mãe

Quem vê a imagem feliz do casal, Marina e Gui, ainda na casa de Sorocaba, não imagina as idas ao hospital: história de filme
Quem vê a imagem feliz do casal, Marina e Gui, ainda na casa de Sorocaba, não imagina as idas ao hospital: história de filme Imagem: Arquivo Pessoal

Além disso, a exaustão por conta das noites em claro cuidando dos bebês resultou em episódios de alucinações e cegueira parcial momentânea na mãe.

Quando estavam com dez dias, Marina - que passou 41 horas sem dormir - começou a ver gente andando dentro de casa, mesmo sabendo que não havia ninguém ali. Dias depois, logo após os primeiros engasgos, que motivaram Marina a ficar sem dormir de novo, veio uma espécie de cegueira parcial.

"O olho esquerdo foi ficando ruim até que eu não enxergava mais que 10% com ele. Liguei para minha irmã mais velha, Flávia, que trabalha na área da saúde, e ela só falou 'calma, estou chegando'. Pegou os bebês e eu dormi quatro horas. Acordei enxergando", conta.

A família teve que fazer a mudança para Singapura quando os meninos tinham três meses, ainda no meio desse caos: não havia um diagnóstico e os médicos perguntavam à Marina: 'você é mãezinha de primeira viagem, né?'. Apesar do medo de novos episódios, a empreendedora, hoje com 39 anos, conta que não foi uma questão que a deixou paralisada.

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Foi só um ponto a mais para pesquisar e eu pesquisei antes de mudar. Também não dormi nada no voo por conta disso e fiquei mais tensa, mas tenho uma intimidade grande com perrengue e eu vejo beleza em transpor desafios e ser dona das minhas feridas, sabe?Marina Proença, 39, empreendedora e mãe

Marina melhorando da virose, no aeroporto, com um dos gêmeos no carrinho
Marina melhorando da virose, no aeroporto, com um dos gêmeos no carrinho Imagem: Arquivo Pessoal

Informação e ajuda para diminuir perrengues

A dica para enfrentar algo assim, segundo ela, é a resiliência. Não que a mentalidade tenha deixado Marina imune aos obstáculos, ou até mesmo a novas espécies de alucinações. Durante a viagem, os gêmeos, Marina, o Marido e até uma prima que foi para ajudar pegaram uma virose e depois de 44 horas sem dormir no trajeto de mudança, Marina chegou a ouvir vozes no novo apartamento, mas 'sabia que não tinha nada'.

Cansada, sim, mas despreparada jamais. A empreendedora tinha plano de saúde para o novo país e sabia que enfrentaria um sistema diferente do que estava acostumada. "O plano é bom, mas a saúde lá é bem diferente. É ótima em tratamentos de doenças crônicas, mas não tem cultura de prevenção. Peguei indicação de médico com um amigo do trabalho do meu marido."

Ela decidiu montar também uma equipe de apoio, que incluía enfermeiras, cozinheira e diarista. "Cuidar de dois bebês com saúde delicada exige atenção constante. Eu queria estar presente, mas também precisava de ajuda para sobreviver, ainda mais em outro país", desabafa.

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Após meses de tentativas com vários médicos em Singapura, os diagnósticos: refluxo silencioso, além de alergia à proteína do leite de vaca (APLV), soja e milho.

A busca por fórmulas alternativas foi ainda intensa, e frustrante, mas a situação melhorou após encontrarem uma gastroenterologista no país asiático, que ajudou a ajustar a alimentação dos bebês. "Ela foi certeira. Em poucos dias, eles estavam melhorando. Foi a primeira vez que senti que as coisas estavam começando a se alinhar", celebra a mãe.

Já estabelecida por lá e em visita ao Brasil, a empreendedora conta que precisou ajustar seu plano original de dedicar-se exclusivamente aos filhos. "O sonho era parar de trabalhar e cuidar deles, mas a realidade foi outra. Optei por construir um modelo de trabalho remoto que me permitisse estar presente, mas ainda contribuir com a empresa." Hoje, Kai e Leo têm dez meses e Marina pretende vir a cada seis meses pelo trabalho.

"Ainda estamos nos adaptando, mas a sensação de segurança e o acesso à saúde e educação de qualidade fazem tudo valer a pena", conclui Marina, sempre com uma visão empreendedora. Apesar de todas as dificuldades, ela vê a jornada como transformadora, e destaca a importância da saúde mental e física em momentos de caos. "Aprendi a priorizar o sono, mesmo quando tudo parecia impossível".

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