Maria Ribeiro

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Opinião

Preguiça, amor, revolta e todas as emoções que um feriado no sofá me trouxe

Em 2087, quando os feriados de Páscoa e de Tiradentes repetirão o feito do último final de semana, que durou quatro dias, eu não estarei mais aqui. Até lá - estamos falando de 62 anos - torço para que as questões que ocuparam meu cérebro nessas 96 horas, em que, tambores rufando, não fiz nada além de ficar em casa com meus filhos, sejam, então, temas de um passado longínquo.

Bom, sobre ficar em casa, desconfio que seja coisa da idade. Depois de alguns carimbos recentes no passaporte, sempre a trabalho apesar de momentos de lazer, minha ideia de descanso estava inteira na palavra "não". Não viajar, não arrumar o armário, não revisar roteiros, não retornar ligações, não resolver pendências, não responder mensagens, não produzir conteúdos, e não me ocupar com nenhum assunto fora do eixo chocolates, filmes e séries.

Para uma pessoa ansiosa, escapar do mundo é um projeto difícil. Mesmo assim, a par da prisão que significa ter uma mente que funciona como um plantão médico 24 horas, sempre alerta e à espera de BOs, preciso admitir que me sai muitíssimo bem, obrigada. Pelo menos nos primeiros dias, quando devo ter passado, ao todo - juro - umas onze horas em frente à TV. Fiquem à vontade para julgar. Também compreenderei a inveja. Podem escolher.

Bom, primeiro, vi a série da Bruna Marquezine na Disney - que tem atuações e diálogos impecáveis. Depois, voltei um pouco para minha idade e para um crush da vida inteira: Hugh Grant, em mais um Bridget Jones. Por fim, mostrei para o meu caçula, junto com meu filho mais velho, um Wes Anderson que vejo no mínimo uma vez por ano. Ia dizer que essa foi, de longe, a noite mais bonita do meu ano, mas a estratégia com rebentos é sempre fingir naturalidade.

De vida ao ar livre até ali, havia acumulado apenas duas saídas: uma para ver minha mãe e a outra para matar a saudade da turma de Honório. No mais, a promessa de me dividir entre minha cozinha, meu quarto e minha sala, foi cumprida com louvor e alegria. Mas aí, o papa morreu. Fiquei triste, eu gostava de verdade desse papa.

Na sequência, já em meio à selvageria da vida online, vi as notícias sobre a situação financeira da Maria Gladys, uma das maiores atrizes desse país, e personagem emblemática do nosso cinema. Com um jornalismo sensacionalista, o que eu vi foi uma artista como eu, uma mulher como eu. Não dava mais pra brincar de "comigo não tá", nem de fingir que a realidade não existe.

Gladys, que está no elenco da primeira versão da novela Vale Tudo, foi, além de intérprete de talento, uma figura central da onda feminista dos anos 70. Ao lado de ícones como Leila Diniz, Gladys ousou falar em liberdade, igualdade e transgressão, deixando uma herança de coragem e rebeldia, que, de vez em quando ainda encontra algum eco.

Vivemos em um tempo em que, cada vez mais, a vida dos artistas nos invade tanto quanto suas trajetórias profissionais. Há, inclusive, uma infinidade de programas que se dedicam exclusivamente a falar dos bastidores da internet e da TV. Compreendo. Mas, acima de curiosidades sobre tretas ou romances, existe uma questão que, a meu ver, é a que de fato importa: o que mede o sucesso de um ator ou de uma atriz? Dinheiro? Seguidores? Gênero? Idade? Beleza? Ou obras que nos permitem, como fiz nos últimos dias, escapar do mundo, ao mesmo tempo que o recriam?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

3 comentários

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Celso Jose Pezzuol

Dona Maria; não sei o que seria da minha pessoa se não tivesse lido uns dois parágrafos da sua coluna.  Muito obrigado pela avalanche de inutilidades !!!!

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Angelo Eduardo Guimaraes de Oliveira

Creio que é o primeiro texto que leio dessa jornalista. Gostei e não foi pouco. A honestidade do relato é brilhante. 

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Mauro de Souza Praca Filho

redator pede, relato vem, a grana pinga.

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