Maria Ribeiro

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Opinião

De vez em quando mude o DDD, viaje com amigas e processe o Mike White

Para uma pessoa ansiosa, olhar para o céu por duas horas - e em silêncio - não é uma tarefa fácil. Por outro lado, não fosse por isso, talvez a experiência não rendesse coluna - defeitos, às vezes, têm lá seus benefícios. Utilidades, no mínimo, surpreendentes.

Viajar com amigas, ao contrário, é felicidade certa ou seu dinheiro de volta. Mentira, que nada disso existe. Nem felicidade certa e nem dinheiro de volta. Mas, a essa altura da vida, de posse de 49 outonos, 209 inseguranças e 517 dúvidas e desilusões, esse é um projeto do tipo "White Lotus": bom, mesmo quando não é bom.

Mas o que o céu tem a ver com isso? Acontece que eu estava no Atacama com uma amiga. Juntas diante de paisagens onde tudo parece filme, Dedé, minha parceira de viagem que já conhecia o deserto, queria desde o primeiro dia fazer o rolê das estrelas, um dos grandes atrativos daquele pedaço do Chile.

Eu sabia que seria incrível. Sou boba, mas não tanto. Mas é que, à noite, a pessoa quer aproveitar o hotel, a cama do hotel, a comida do hotel, o banho do hotel, os realities do Instagram, essas coisinhas bobas e maravilhosas de todo dia - que, em um cenário novo, ficam ainda mais prazerosas.

E depois, não era só uma viagem de turismo. Ficamos horas produzindo vídeos e fotos, escalando cânions e ajeitando o batom, pedalando e encolhendo a barriga, fazendo carão e comendo poeira. Meu sonho de noite de gala era ver série na horizontal, exatamente como faço na minha rotina entre Rio e São Paulo.

E é aí que entra o fator que muda tudo: o fator alteridade! Essa oportunidade única, valiosa, e democrática de existir, por alguns dias, de um jeito que não é o seu. Que é daquela combinação específica. Fora do casamento - e depois de uma certa idade - vamos combinar que isso só é possível viajando, quando decisões precisam ser tomadas em conjunto e aventuras e perrengues colocam a amizade no altar que lhe é devido: de uma alegria sagrada.

Ah, as estrelas vistas do Atacama de fato são uma experiencia inesquecível, e que sem a energia noturna (e diurna, e vespertina) da minha parceira, eu teria ficado no chalé vendo e revendo "White Lotus". De modo que agradeço e recomendo a geral: de vez em quando mudem o DDD, nem que seja para o da cidade vizinha. E, se der, façam isso com amigas, porque serão duas culturas a mais na sua lista de conhecimentos.

Uma curiosidade: no programa do céu premiado, além de nós duas, não havia duplas de amigas e nem de amigos, só pares heterossexuais. Estranhei. Também fiquei surpresa com o poder daquelas constelações, poderia ter ficado dez horas ali. Mas também fiquei meio revoltada pensando: desde quando abandonei o hábito de esperar estrelas cadentes?

Quer saber? Talvez seja o caso de processar o Mike White.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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