Maria Ribeiro

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Opinião

Quanto se paga por ser mulher? Como saber se conseguirei ser forte?

Outro dia, numa festa, encontrei um amigo por quem tenho imensa admiração. Sabe aquelas pessoas que te deixam com a sensação de, depois de meia hora de conversa, ter lido cinco jornais? Entre um assunto e outro, acabamos falando sobre questões de gênero quando, de forma discreta, recebi o conselho "de demonstrar menos segurança na hora de falar em público. Comigo tudo bem, que eu te conheço. Mas, com quem você não tem intimidade, melhor não parecer tão forte".

Fui embora com essa.

Duas semanas depois, passando os olhos pela última edição da revista piauí, parei na história de uma mulher que durante 21 dias ficou, à sua revelia, internada a pedido do marido em uma clínica psiquiátrica. O episódio, um verdadeiro filme de terror, é cheio de detalhes que não caberiam aqui, mas que, de uma forma meio torta, me fizeram pensar nas palavras do meu amigo.

Helena Lahis, que tem mais ou menos a minha idade e é mãe de duas meninas, era casada havia muitos anos quando decidiu se separar. Quem já passou por uma separação com filho, sabe. Poucas coisas são tão sofridas e difíceis. Mas Helena tinha se apaixonado.

Divórcios, especialmente quando envolvem terceiras pessoas, não costumam ser cordiais. É comum, e até esperado, que nos primeiros meses alguns excessos - que não esbarrem em violências - sejam cometidos. Mas o que se deu a seguir, além da violação e da exposição de sua correspondência, foram episódios que, juro, remontam ao século retrasado.

Por querer recomeçar sua vida, Helena foi tirada, em um domingo, de dentro do seu quarto - com psiquiatra e enfermeiros - para uma temporada de três semanas em uma clinica especializada em distúrbios psíquicos. Impedida de se comunicar com suas amigas e seu namorado, pediu socorro à acompanhante de uma adolescente internada, que em uma das visitas a menina saiu com uma carta de Helena escondida no sapato.

Recomendo a matéria, assinada por Angélica Santa Cruz, porque o caso, para além de questões de gênero, envolve questões como ética e saúde mental. A mim, especialmente, a coragem de sua protagonista escancarou sob o meu CPF algumas covardias. E elas são muitas.

Em fevereiro, fui vítima de uma trama da qual ainda me recupero. Primeiro, porque demorei a compreender a invisibilidade à qual esteva sendo submetida. Segundo, porque, até então, gostava do personagem do enredo, que, só depois, percebi não me dedicar nenhum respeito.

Não foi a primeira vez que, sem perceber, paguei por ser mulher. Fui vítima de assédio sexual quando o tema ainda era tabu, já tive emails violados por parceiros, projetos roubados por diretores reconhecidos e, como a maior parte das mulheres... silenciei.

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Quando, portanto, me vejo diante de histórias de coragem como as da Helena, reconheço, ainda sem elaborar todos os seus significados, uma covardia que em nada se assemelha à versão que procuro colar em minha estampa. Em grupo, com frequência, seja nas redes ou em mesas grandes, exibo uma personalidade que costuma ser classificada como assertiva.

Mas será que sou assertiva porque sou forte? Ou porque, ao contrário, já sei, mesmo que as vezes ainda esqueça, tudo o que pode ser feito da minha vulnerabilidade?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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