Vale Tudo e Bateau Mouche naufragado: após 37 anos, quem matou Yara Amaral?
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No dia 31 de dezembro de 1988, uma semana antes do fim da novela "Vale Tudo", 55 pessoas perderam suas vidas em uma noite que, mais do que todas as outras, costuma ser sinônimo de futuro.
No mesmo Rio de Janeiro que servia de cenário à histórica novela da Globo, agora de volta em versão de Manuela Dias - e a poucos minutos do disputado Réveillon de Copacabana - um naufrágio selaria para sempre as histórias de quem sobreviveu, e de quem não sobreviveu ao Bateau Mouche, um drama real que também precisa ser revisto.
Ok, estamos todos às voltas com Raquel e Maria de Fatima. Ambas, por sinal, muitíssimo bem representadas por Taís Araújo e Bella Campos. Mas ontem, ao me dar conta de que a novela e a tragédia são contemporâneas, fiquei pensando em como o tempo passa diferente de acordo com a edição das nossas memorias.
Mágoas? 'Melhor ir em frente', sugerem os manuais de autoajuda - e muitas vezes até a lei, já que alguns crimes prescrevem de fato. Mas o entretenimento, esse não tem data de validade, esta aí a Grécia que não me deixa mentir.
Mas e se a gente voltasse no tempo por completo e aumentasse a duração da nossa indignação e da nossa empatia diante de injustiças da mesma forma que conservamos o amor por determinados filmes e novelas?
Já que ainda estamos sob a onda do Oscar de "Ainda Estou Aqui" e do debate sobre anistia, e aproveitando que 31 de março foi anteontem, não custa. Educação é oportunidade, já dizia minha amiga Isabel. Vamos de 64 e de 8 de janeiro, de "Vale Tudo" e de Bateau Mouche.
Os depoimentos de quem ficou para contar aquelas horas de pavor - que nenhum relógio é capaz de superar - estão em uma série documental que acaba de estrear na HBO. Os três episódios, dirigidos pela dupla Tatiana Issa e Guto Barra, ouvem não só os náufragos, mas aqueles que, embora não tenham vivenciado diretamente a tragédia, tiveram suas trajetórias completamente definidas por ela.
É o caso de Bernardo Amaral, filho da atriz Yara Amaral (estrela de Anos Dourados, uma das maiores intérpretes do país), que tinha apenas 15 anos quando perdeu a mãe.
Ou o tributarista Boris Lerner que, simultaneamente, enterrou sua companheira e seu filho, que tinha apenas seis anos na época, e morreu praticamente na sua frente enquanto os fogos cobriam o céu de Copacabana.
O caso, que envolvia descaso, ganância, corrupção e impunidade, mobilizou o Brasil. Eu lembro perfeitamente das fotos dos corpos vestidos de branco. Mas quanto tempo durou a nossa revolta?
O Rio, a exemplo do país, há meses acompanhava a trama de Gilberto Braga, que seria eternizada, entre outras coisas, pela pergunta que nunca deixou de ressoar em nossos ouvidos: quem matou Odete Roitman?
A resposta, que chegaria no dia 6 de janeiro, quando enfim descobriríamos que Leila, personagem de Cassia Kis, havia atirado em Beatriz Segall - vilã que amávamos odiar - viria na mesma data em que centenas de brasileiros se dividiam em missas de sétimo dia.
Quando cumpriam rituais de perdas de filhos, pais, mães, amigos, avós. Perdas que poderiam ter sido evitadas, e que ainda os mantêm em uma noite que, embora tenha completado 37 anos, seguem doendo a despeito da passagem do tempo. Não só pelas saudades, mas também porque apenas parte das famílias que entraram com ações contra os empresários do barco e a união foram indenizadas.
Vou acompanhar "Vale Tudo" e ver minha amiga Debora Bloch brilhando como a nova Odete Roitman, Mas, antes de me perguntar sobre quem será seu assassino na versão de 2025, gostaria de deixar uma outra pergunta, que segue idêntica há 37 anos: quem matou Yara Amaral?
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