Gil e Preta me levaram para um lugar onde só uma coisa importa: o amor
Eu não sei em que momento da minha juventude eu decidi que acompanhar o Gilberto Gil seria um projeto de vida. Para falar a verdade, nem sei se houve um momento exato e consciente. "Ah, essa é uma voz que me ampara." O que eu sei, e disso não tenho dúvidas, é que entre os 435 erros que eu já coloquei na conta da minha certidão de nascimento, essa foi uma atitude que podia virar frase de camiseta. Então, na dúvida, vá de Gilberto Gil.
Em uma época que a palavra influenciador tem virado os dicionários do avesso, me vejo no dever de defendê-la. Porque essa é uma influência que há anos me aponta caminhos - isso sem falar na qualidade do som. É para ler, ouvir, dançar, sentir e, principalmente, falar com Deus.
Lembro quando, aos nove anos, aprendi com meu professor de violão a tocar 'Não Chore Mais', versão do baiano para 'No Woman, no Cry'. Eu ainda não conhecia Bob Marley, nem o reggae, nem o amor e muito menos a história dos artistas exilados pela ditadura. Mas fiquei com uma frase que nunca mais me abandonou, e olha que isso tem 40 anos: 'Tudo, tudo vai dar pé'.
De lá para cá, me apaixonei, sofri, perdi pessoas, casei, separei, tive filhos e acumulei algumas dores daquelas tipo tatuagem, sabe? Que não saem por nada. Volta e meia eu lembrava dessa frase: 'Não chore mais, menina. Tudo, tudo, vai dar pé'. E eu imaginava o Gil com aquela aura de sabedoria que ele parece ter desde garoto, me dando a mão, a mão que a música nos dá desde sempre.
Pensei nesse verso ao ver os vídeos do show do cantor no último sábado. Na apresentação do dia 26 de abril, da turnê Tempo Rei - sua despedida das grandes apresentações - Gil recebeu sua filha Preta, uma das mulheres mais revolucionárias desse país, e que atualmente atravessa um momento de saúde delicado.
Preta, que sempre fez das suas experiências pessoais um manifesto de liberdade e coragem, segue, mesmo em uma hora difícil, nos inspirando com o seu imenso talento e com um carisma que é praticamente uma propaganda oficial da vida.
Juntos, pai e filha cantaram "Drão", música composta em homenagem a Sandra, mãe da Preta, sobre a época da separação com Gil. Foi uma das coisas mais emocionantes que eu já vi na vida, e olha que eu nem estava lá.
Ainda não tive coragem de assistir Tempo Rei. Gil deve ter sido o artista que mais vi até agora e sei que vou me comover. Suas músicas são meus pilares. Certa vez fui até Veneza para ouvi-lo. E em sua casa - quando éramos vizinhos - eu era aquela que nas mesas de almoço ficava até o último segundo para o caso de haver uma mínima possibilidade de um violão. De modo que, confesso, estou com muitas dificuldades de me despedir.
Quer dizer, estava pronta. Porque depois que ouvi a voz da Preta e como Preta cantou lindo naquele estádio, decidi que vou atrás daquele som até meu último dia. E que se dane se eu me emocionar. Gil e Preta me trouxeram de volta para o lugar ao qual pertenço, um lugar onde só há uma coisa que importa, que é o amor.
Tudo, tudo vai dar pé.
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