White Lotus: minha meditação é juntar humor, cenário paradisíaco e crítica
Eu estou viciada na série "White Lotus". Acordo aos domingos com aquela alegria totalmente específica, sabe? Das esperas garantidas, sem chance alguma de desapontamentos.
Reconfortada por pensar que, mesmo não tendo nenhum controle sobre minhas células ou sobre o futuro da água da planeta, que independentemente dos rumos de Brasília ou da reunião de condomínio do prédio, uma hora o relógio vai marcar vinte e duas horas. Quando nada do mundo irá me importar. Nem filhos, nem filmes, nem prazos, nem as falas misóginas contra a Marina Silva, nem os assédios que ainda vivemos, e nem a Solange sem a Lídia Brondi.
Eu respiro por histórias. É por elas - e com elas - que olho para frente, para trás, e para lugares onde nunca estive, com pessoas com quem jamais estarei. Essa alienação programada - programada mesmo, não me convidem nem para casamentos que, aos domingos, não vou nem que eu seja a noiva -, tem, no caso da série da HBO, pouco mais de um mês.
Mas como eu tava precisando. Porque sou obcecada por documentários, não abro mão da experiência coletiva do cinema, vou atrás de todas as obras que me pareçam relevantes do ponto de vista de ler o tempo - como a recente "Adolescência" -, mas não há nada que me de mais colo do que acompanhar, por algum tempo, personagens contraditórios e bem construídos.
Eu sei, a temporada não é tão boa quanto as duas anteriores. É o que se diz por aí. Ainda assim, a possibilidade de vislumbrar semanalmente sessenta minutos de um roteiro que junta humor, luta de classes, cenários paradisíacos, trilha de primeira, crítica social e, principalmente, figuras humanas a ponto de nos gerar empatia a despeito de suas atitudes absolutamente condenáveis, nossa...essa é a minha ideia de meditação.
No episódio da última semana, um beijo causou alvoroço na internet. Não vou desenvolver o tema - que é de fato delicado e complexo - para não dar spoiler, mas preciso dizer que a angústia dos personagens depois do ocorrido conseguiu a proeza de me fazer olhar com compaixão para uma das figuras que mais abomino na série.
E é esse um dos grandes sentidos do audiovisual, e também da literatura e do teatro. Nos ensinar, através de supostos vilões, anti-heróis, ou de situações das quais não temos intimidade. A amar ou compreender pessoas que cancelaríamos na segunda ou na terceira frase.
Ampliar nossa capacidade de não julgar livros pela capa, aumentar nosso repertório de tolerância, vivenciar historias que nos deem material para caso um dia precisemos, multiplicar um dos grandes super poderes dessa viagem: fazer doutorado em afetos, mesmo em afetos difíceis.
Escrevo essa coluna do deserto do Atacama, para onde vim fazer umas fotos de moda. Hospedada em um hotel desses de tirar o fôlego e diante de uma paisagem arrebatadora, me vi observando, como nunca tinha feito, o modus operandi de tudo o que acontece nos bastidores de uma atmosfera onde tudo é feito para ser perfeito. Mas que, como vemos na série, nada é feito com a ausência de nomes próprios. Foi bonito.
Conheci o vale do arco-íris, o céu mais impressionante que já vi, lagunas e cânions inacreditáveis, mas isso não foi tudo. Conheci pessoas. Com passado, projetos, gostos, personalidades. Leo, Silvia, Jucelia, Gabriel. Isso, sim, é conhecer o mundo.
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