Maria Ribeiro

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Opinião

Você pensa sobre amor? Ensinar empatia e consciência vale mais que tudo

Tive um mês difícil. Meio anti-Instagram, digamos assim. Ao mesmo tempo, vi coisas lindas: a peça do Othon Bastos, a exposição do funk no mar, o último filme do Wim Wenders, uma livraria ser desfeita (as vezes triste também é lindo).

Com o tempo, aprendi a sofrer com alguma poesia. E devo isso aos livros, músicas, e à arte de um modo geral: quando a realidade aperta é no sonho - ou nas séries - que a gente descansa. Fiz isso praticamente agosto inteiro e, numa dessas, parei na frase de uma peça.

"Mãe, você ama?"

A pergunta, uma das mais repetidas da história, ouvida como fala de teatro me bateu de um jeito inédito (que só a dramaturgia poderia proporcionar). Aconteceu no teatro, claro, aquele lugar mágico onde as palavras aumentam de tamanho e viram praticamente remédios.

Eu tinha ido ver o espetáculo onde a Marília Gabriela atua com seu filho Teodoro Chrochane. O texto, de Michelle Ferreira, e a direção, de Bruno Guida, transformam uma DR familiar em uma terapia coletiva, sem jamais abandonar a embalagem e o conteúdo que a tornam uma obra. Ali, sob figurinos e diante de uma plateia, ninguém é quem se é, mesmo que os personagens tenham o mesmo nome dos atores.

"Mãe, você me ama?", pergunta Theo à Marília.

Mãe, você me ama? pergunto, desde sempre, agora sem aspas e sem som, sentada na poltrona 3C. Nunca consegui confiar na resposta, que, claro, sempre foi afirmativa. Acho que nem todo mundo é do time dos beijos e das declarações. Há gente que ama diferente. Mas como?

Há um momento no texto especialmente emocionante, que fala sobre bullying, um assunto que vivi como mãe e que me fez sentir um ódio que, ainda hoje, me faz ter horror à maneira como a escola de um dos meus meninos lidou com o assunto.

Pois bem. Semana passada, um garoto de 14 anos - idade do meu caçula - cometeu suicídio em São Paulo. Negro, homossexual e periférico, não resistiu às violências cometidas por seus colegas de uma escola de elite, e do qual era bolsista.

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Lembrei da peça, da história que Theodoro corajosamente expos diante do público e da pergunta que segue comigo. Pedro Henrique, ao que tudo indica, não tinha nenhuma dúvida quanto ao amor de sua mãe. Ela o amava profundamente e certamente comemorou muito a entrada do filho em uma escola "de qualidade", que lhe daria mais futuro nesse país tão desigual.

Futuro esse que não haverá. Não para Pedro Henrique. Mas e para os outros garotos? Os que o ridicularizaram até que a solidão e a vergonha o tirassem qualquer capacidade de seguir em frente? Serão advogados? Médicos? Pessoas bacanas?

Não sei, mas tenho a impressão de que genitores e instituições escolares deveriam pensar tanto sobre amor quanto sobre qualquer outra matéria. Porque ser engenheiro e economista é bonito, mas ser uma pessoa legal, nossa...

Pensando bem, eu não tive um mês difícil. Difícil está sendo para a família do Pedro Henrique.

Volto à outra frase da peça de sábado, a que mais define, na minha opinião, o sucesso - ou não - na vida de alguém: de que forma te foi ensinado a amar? E você, ama como? Ensinando seu filho sobre alteridade e privilégios? Ou o enchendo de presentes e de atividades extracurriculares?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

18 comentários

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Fernando Augusto da Fonseca Alecrim

Estou com os olhos marejados. O tratamento odioso,   d i  a  b   ó  l  i c  o    e    f   a  s   c  i  s   t    ó   i  d  e  dispensado pelos alunos do colégio mais bacana de São Paulo, de famílias abastadas ao menino Pedro Henrique é inadmissível. É preciso que o Ministério Público tome providências contra esses alunos e a direção do colégio, a começar pelo Mauro Salles Aguiar, que ontem o UOL informou (portanto, está documentado) que ele deu declarações absurdas sobre a tragédia, dizendo que a escola não é clínica de psicologia. Cadê a direção do colégio pra demitir esse   t  r   o  g   l   o   d   i  t  a    sumariamente?

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Patricia Cristina Fratelli

Texto excepcional! Peço à autora um segundo texto como esse, discorrendo quanta diferença faz o AMOR e a EMPATIA.

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Casemiro Gomes da Silva

Talvez a falta de sensibilidade, nesse corre corre nem olhamos e enxergamos quem está do nosso lado. E quando muito para recriminar, procurando sempre comentar com ironia e também sentirmos as diferenças que pode ser curado com "Amor". Será que na família, nas escolas não poderiam ser mais atentos para formação de pessoas dignas com espírito mais fraternal? Hoje estamos ocupados com tantas tarefas que perdemos o tempo de enxergar a Vida.

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