Virginia na CPI: show de Truman da influencer ofende país que paga o circo
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Virginia Fonseca —profissão influencer— influencia o consumo de 53 milhões de pessoas na internet. Quer dizer: teoricamente, uma em cada quatro pessoas que você conhece segue essa moça, sabe o nome nos filhos dessa moça, canta hits como "Mina Bandida" com o marido dessa moça, assiste aos vídeos animados do sogro dessa moça na fazenda da família. Um luxo.
Teoricamente, porque a internet é feita de bolhas. Se você não segue a influencer, é provável que nenhuma das pessoas com quem você convive a siga. Se você a segue, é possível que na sua família as expressões e piadas internas que ela usa em seus posts façam parte do assunto na mesa de jantar e que Maria Flor (a filha dela) esteja no hall de celebridades para você. E assim nos dividimos nesse país. Quem gosta e quem não gosta de Virginia.
Seguir, o verbo, tem alguns sentidos. Andar atrás de alguém; apertar o botão follow e receber as postagens que a pessoa faz (a cada dois minutos no caso de Virginia); e, ainda e mais preocupante, fazer o que ela manda em sua rede social. Mais preocupante porque uma das coisas que Virginia aconselha e ensina a fazer é jogar o jogo do Tigrinho, apelido carinhoso para bets mentirosas que arrancam o dinheiro de pessoas extremamente humildes e não oferecem nada em troca. Para o brasileiro, claro, porque para a influencer essas empresas oferecem uma fortuna.
O Brasil, um país de terceiro mundo, vive tentando combater jogos ou mantê-los na informalidade. O que já teve por aqui de polêmica com bingo... e o jogo do bicho, que "não existe" aos olhos da lei, mas você encontra em tudo que é esquina na vida real? A promessa de dinheiro fácil seduz. Nos jogos eletrônicos, o formato feito para viciar prende. O resultado é miséria em qualquer canto como diziam os Titãs. Digo, quase qualquer canto. Na casa da Virginia não existe miséria.
Ela não tem muita certeza, como confessou na tarde de hoje na CPI das Bets, mas faturou R$ 750 milhões no ano passado. Garante que não foi anunciar Bets que a deixou milionária, aliás —ela já tinha 30 milhões de seguidores antes de fechar a parceria que, segundo uma reportagem da Piauí, rende quase R$ 30 milhões de reais anuais.
Fora a taxa que a empresa paga para a influencer a cada pessoa que perde dinheiro. Ou seja, quando o seguidor de Virginia cai nesse papinho de bet, melhor para ela se ele perder grana. É aí que ela ganha. Estamos falando de 53 milhões de seguidores. Um quarto da população desse país. Se 10% resolver jogar, já é muito dinheiro.
Na CPI, Virginia aparece fazendo o que sabe. O moletom tem o rosto da filha, transformada por ela em mito. O copo rosa que ela usa está à venda em seu site. O sorriso de orelha a orelha é parte da marca de um mundo fantasia dos influencers que tudo podem querer porque tudo terão.
Dar um bronca ao vivo na relatora da CPI, Soraia Thronicke, é parte do espetáculo. Confessar que não foi capaz de entender uma pergunta que usou vocabulário complexo é cereja do bolo. Depender da tradução simultânea de português para português mesmo, porque nada que aprofunda funciona ali... O show de horrores não termina. E é acentuado com a empolgação dos políticos que elegemos ali rindo, festejando a tarde com a famosa. Virginia transforma a transmissão ao vivo da TV Senado em seu palco. Ao fim do espetáculo, de volta aos stories, pede desculpas pelo tempo off. E volta a postar alguma coisa a cada 10 minutos. O show tem que continuar.
Dos versos do hit de Zé Felipe, seu marido ("bundão de academia/ novinha quica demais"), ao batom de sua filha bebê, ao seu pijama descombinado, o Truman de Virginia tem um reloginho digital no canto à esquerda para o seguidor ter a sensação de estar vivendo junto com ela. Tem foto com os relatores da CPI. Tem o aviso sobre ter sido grossa com Soraia. Tem elogios aos políticos que a tietaram na CPI —claro que tem. E tem, atenção, 71% de desconto em qualquer produto do site. A galera sabe muito bem transformar engajamento em cash.
Felipe Neto já anunciou bets e afirma que foi a pior besteira que já fez. Hoje, aproveita qualquer chance para combatê-las. Quando Virginia afirma que não pode fazer nada a respeito do estrago que diariamente ajuda a ampliar, ela ofende um país. E a inteligência de um quarto das pessoas que vivem nesse país e aplaudem os penteados de uma criança que não pediu para ser famosa.
Os outros três quartos assistem ao circo em Brasília perplexos. Depois, têm duas opções: migrar para o Instagram e aproveitar o descontão em produtos rosa ou seguir (em qualquer um dos sentidos da palavra) quem acrescenta alguma coisa —ler livros quem sabe. Eu recomendo fortemente a segunda opção.
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