Cristina Fibe

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Opinião

Caso Neil Gaiman levanta debate sobre BDSM e consentimento

Consentimento, sadomasoquismo, relações de poder, vulnerabilidade e idolatria. São muitas as discussões levantadas pelas denúncias de estupro e agressão contra o celebrado e premiado escritor britânico Neil Gaiman.

O autor de quase 50 livros, entre eles "Sandman" — série em quadrinhos com mais de 50 milhões de cópias vendidas —, é acusado por ao menos nove mulheres de forçá-las a atos sexuais não consentidos, muitas vezes com violência e coerção.

Quando as primeiras acusações vieram a público, em julho passado, em um podcast intitulado "Master", ou "Mestre", da Tortoise Media, representantes do autor afirmaram que "a degradação sexual, a escravidão, a dominação, o sadismo e o masoquismo podem não agradar a todos, mas, entre adultos consentidos, o BDSM é legal".

Só que as mulheres ouvidas pela revista "New York", em uma ampla reportagem publicada nesta semana, contam que disseram "não" com ênfase, e ele continuou a subjugá-las, humilhá-las e estuprá-las.

As supostas práticas sadomasoquistas não haviam sido acordadas antes, preceito básico para separar o que é BDSM do que é abuso.

Em alguns dos casos, ele se aproveitou de mulheres muito mais jovens, que se aproximaram como fãs de sua obra, ou de pessoas que trabalhavam para ele. Com uma exceção, as histórias levantadas pela revista aconteceram quando Neil Gaiman, hoje com 64 anos, já tinha passado dos 40.

A antropóloga Beatriz Accioly Lins, especializada em violência contra mulheres, observa que "as mulheres que aparecem na matéria estavam em situação de extrema vulnerabilidade, inclusive financeira. Uma delas trabalhava como babá em troca de moradia durante a pandemia e outra como caseira com a promessa de doação de uma parte do terreno (que não se realizou)".

Para Accioly Lins, que é uma das autoras do livro "Precisamos falar de consentimento" (Bazar do Tempo), "o modus operandi descrito é muito semelhante ao de outros homens poderosos: mulheres jovens, 'fãs', em situação de adoecimento psíquico e/ou dificuldade financeira".

Ela ressalta ainda que "o consentimento pode ser viciado pelo desejo de agradar, o desejo de sobreviver, até mesmo o desejo de autodestruição — o que não isenta o cenário da coerção e da violência. São muitos fatores em jogo que precisam ser levados em conta".

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Num dos casos mais gráficos descritos na reportagem, Gaiman teria cometido essas violências na presença de seu filho mais novo, então com 4 anos de idade.

É importante lembrar que, no Brasil, todo ato sexual na presença de menores de 14 anos é contra a lei. É crime fazer com que uma criança ou adolescente presencie relações sexuais ou assista a pornografia.

A respeito de seu filho Neil Gaiman não se pronunciou. Sobre as acusações publicadas nos últimos meses, afirmou que "foi egoísta, descuidado com o coração e os sentimentos das pessoas", mas que não aceita que tenha havido qualquer abuso. "Nunca me envolvi em atividades sexuais não consensuais com ninguém", escreveu.

Depois da repercussão na imprensa, adaptações já contratadas de suas obras começaram a ser canceladas. O próximo passo é o autor tentar convencer a Justiça de que seus atos foram consentidos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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