Caso Silvio Almeida: tudo que se sabe e de onde vem o receio de denunciar
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A importância do escritor, advogado e professor Silvio Almeida embaçou o cenário público das denúncias contra ele. As primeiras notícias, publicadas em setembro de 2024, foram recebidas com descrédito por quem o admira e não pode acreditar que um intelectual da magnitude do ex-ministro possa ser um assediador.
A defesa percebeu isso, e passou a ventilar que havia um complô para derrubá-lo, motivado por inveja e disputa de poder. As mulheres que o acusam ou mesmo aquelas que as acolhem passaram a ser atacadas, e uma guerra de narrativas confundiu informações e deu ares de pouco concreto ao que já havia demonstrado consistência.
Agora, uma ampla reportagem de Ana Clara Costa na revista Piauí organiza a cronologia do caso e responde às questões que estavam pendentes ou turvas.
Para traçar a "anatomia do escândalo sexual que derrubou Silvio Almeida", a jornalista ouviu 39 pessoas. O ex-ministro se recusou a falar com a revista, mas cinco fontes ligadas a ele concordaram em dar depoimentos. Depois de ser procurado pela repórter, Almeida optou por divulgar a sua versão em rede social e entrevista ao UOL. Ele nega as acusações.
Se houve crime ou não cabe à Justiça decidir. O que existe é um inquérito em curso na Polícia Federal, que, segundo a revista, já ouviu cinco vítimas e o ex-ministro. A expectativa é que seja concluído em abril e que Almeida seja indiciado.
A vítima mais célebre do caso, Anielle Franco, tem os episódios de assédio reconstituídos pela revista. São ao menos cinco momentos diferentes, num escalonamento que foi acompanhado por amigas íntimas da ministra, testemunhas importantes para dar a materialidade que o próprio Almeida aponta como necessária para uma condenação.
Segundo a reportagem, ela ficou desconfortável desde as primeiras investidas, que aconteceram quando a companheira de Almeida estava grávida do primeiro filho do casal.
O que começou com um elogio invasivo — "você está linda e cheirosa", em 30 de dezembro de 2022 —, se transformou em "vontade de morder e lamber" e piorou até chegar a "vontade de te foder com raiva", deixando a ministra paralisada.
Congelar é uma reação comum às vítimas de crimes sexuais: é uma estratégia de defesa do corpo, que perde a capacidade de calcular como se defender.
Também é comum sentir vergonha, culpa e medo — no caso de Anielle, agravadas pela eventual exposição pública do caso e pelo fato de que a credibilidade de Almeida poderia direcionar a desconfiança para a palavra dela.
Em maio de 2023, conta a reportagem, as investidas se agravaram e, no meio de uma reunião, ele avançou sobre a coxa da ministra e colocou a mão esquerda entre suas pernas. Ela o repeliu e, ainda segundo a revista, relatou a agressão a amigos e a mais de um colega de Esplanada.
A jornalista responde a outra questão comum: mas por que Anielle não denunciou?
Vários fatores pesaram, incluídos aí o impacto negativo no movimento negro, o efeito tóxico para o governo e a invasão da privacidade de sua família, já impactada pelo assassinato de sua irmã, Marielle, em 2018.
De qualquer forma, apesar da importância do cargo que ocupa, a responsabilidade por um eventual crime não pode ser jogada no colo da vítima. Anielle decidiu conversar com Almeida, expondo seu desconforto com os assédios. Ele pediu desculpas, para logo em seguida, no mesmo jantar, repetir as ofensas.
Ela então passou a evitá-lo, e a informação se espalhou pelo governo, chegando ao presidente Lula. A solução de demitir o ministro, porém, só foi dada quando o caso chegou à imprensa, publicado pelo jornalista Guilherme Amado, então no portal Metrópoles.
Apesar de a divulgação ter precipitado o seu afastamento e a abertura do inquérito, a opção pela publicação nunca foi de Anielle. Talvez porque ela soubesse que, a partir de uma violência, poderia sofrer tantas outras, como os ataques que, desde setembro, não terminaram.
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