Cristina Fibe

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Opinião

De Daniel Alves a Silvio Almeida: contra-ataque indica fim da era Me Too

"É como se ela voltasse ao banheiro onde aconteceram os fatos." A frase se refere à reação da vítima de Daniel Alves, quando soube que a condenação do jogador por estupro havia sido anulada, na segunda instância.

Ester García, advogada da jovem, afirmou que a absolvição é um retrocesso jurídico e social, que desestimula outras mulheres a denunciar. Um retrocesso que aponta, também, para o fim da era Me Too, em que predominava o respeito aos relatos das mulheres e a não revitimização de quem já enfrentava um trauma. Um contra-ataque violento às conquistas do movimento até agora.

A advogada disse que consideraria, ao decidir recorrer ou não da sentença, o estado emocional da jovem, que nunca se expôs e abriu mão da indenização à qual teria direito para não ser atacada e acusada de aproveitadora. Mesmo assim, já enfrentou "dois anos de inferno".

Alvo de escrutínio, a palavra da vítima do caso de Barcelona está sendo colocada em xeque pela Justiça e pela opinião pública — ainda que ela tenha sido atendida e examinada imediatamente após o crime, em dezembro de 2022, e mantido a mesma versão dos fatos durante todo o processo.

Bem diferente do que fez Daniel Alves, que contou ao menos cinco histórias às autoridades, mudando conforme confrontado pelas provas que, neste caso, existem.

Mesmo com tudo isso, foi ela que o tribunal de segunda instância considerou uma testemunha "não confiável". A anulação da sentença disparou uma série de ataques à jovem, invertendo os papéis e colocando vítima no lugar de acusada. Uma decisão que, como avaliou a advogada, poderá fazer com que outras mulheres desistam de levar à Justiça casos de crimes sexuais.

Num artigo sobre o caso Blake Lively versus Justin Baldoni, publicado em janeiro, a revista "New Yorker" crava que "não estamos mais na era do #MeToo": "O padrão de 'acreditar nas mulheres' não virou realmente um padrão. Histórias de assédio e abuso agora têm uma recepção azeda, cínica e exausta".

Para a advogada Marina Ganzarolli, fundadora e presidente do Me Too Brasil, chegou ao fim o que tinha sido uma grande vitória do movimento: a ideia de que as mulheres que rompessem o silêncio não seriam revitimizadas, mas protegidas.

"Tinha um cuidado até dos profissionais do direito criminal que defendem agressores de não cair nessa coisa de desqualificar a vítima, de não ser o advogado que humilha a Mari Ferrer na audiência. E isso meio que acabou", afirma Ganzarolli. "O caso da Amber Heard e do Johnny Depp é um exemplo disso: uma orquestração estratégica de destruição da vítima e da sua narrativa, pra levar o julgamento pra esfera pública e não pros autos — sob pena de um absoluto escrutínio da vida da vítima, da advogada, da ONG, do que for."

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A organização fundada pela advogada também foi alvo de ataques recentes, depois de apoiar mulheres que acusam o ex-ministro Silvio Almeida de assédio e importunação sexual. "Essa estratégia de desgastar a organização tem um objetivo muito claro, que é atingir as vítimas e dizer a elas, 'vocês não estão seguras, porque nem a organização que protege vocês está segura'", diz Ganzarolli.

O resultado disso é o silenciamento. Numa violência quase sempre cometida às escondidas, desconsiderar a palavra da vítima significa deixar de aplicar as leis que deveriam proteger as mulheres. Significa aumentar a subnotificação, deixar abusadores à solta e perpetuar os crimes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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