Cristina Fibe

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Opinião

Pregar perdão a agressores aumenta o risco de violência contra a mulher

No mês da mulher, e no dia da divulgação de dados que mostram que as brasileiras nunca sofreram tanta violência, uma mulher usou o palco para prestar um desserviço à causa.

A cantora Baby do Brasil, ex-Novos Baianos e uma figura de importância histórica para a música, pregou o perdão a abusadores.

"Se teve abuso sexual, perdoa. Se foi da família, perdoa", disse, em tom edificante e evangelizador, a uma plateia lotada numa boate paulistana que já foi um templo de vanguarda.

Esse discurso não é inofensivo e nem está circunscrito a rodas de fundamentalismo religioso ou misoginia escancarada.

Não é inofensivo porque, na prática, silencia vítimas que já se sentem isoladas, culpadas, envergonhadas e com medo de denunciar homens violentos. Homens que, na maior parte dos casos, são da família — e que, do abuso pra fora, são carismáticos, simpáticos e até provedores financeiros.

Muitas vezes, essas meninas e mulheres, quando contam o que sofreram, são desacreditadas por gente da própria família — gente que pensa que abusador tem rosto, ou que é possível identificar pelo comportamento se um homem é ou não capaz de cometer violência. Ou mesmo quem acha mais importante manter as aparências ou o provedor dentro de casa do que proteger vítimas de um trauma pra vida inteira.

Silenciar as mulheres é perpetuar os abusos, deixar de punir e de prevenir que outras violências aconteçam.

E Baby do Brasil não é a única pregando esse tipo de perdão. Outras religiões e até práticas terapêuticas vêm recomendando que se "compreenda" a origem de abusos sexuais dentro das famílias, deixando que os agressores passem impunes.

Mesmo em crimes que se tornam públicos e que envolvem homens conhecidos, a predisposição para descredibilizar e atacar quem denuncia é bem mais ostensiva do que as vozes que se preocupam em estancar os crimes e impedir que voltem a acontecer.

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Não à toa as pesquisas mostram que a violência contra a mulher não para de crescer. Segundo um levantamento do Datafolha para o Fórum de Segurança Pública, mais de 20 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses — 57% delas, dentro de casa.

A maior parte das vítimas, mostra a pesquisa, não procurou ajuda nem a responsabilização do agressor. Só 14,2% foram à Delegacia da Mulher, e 6% buscaram ajuda na igreja.

Os dados contrariam a ideia de que homens com frequência são alvo de falsas acusações ou de que as mulheres já conquistaram plenamente o seu direito de denunciar e se proteger. O mais comum, na verdade, é o silêncio que Baby do Brasil prega. O silêncio que protege homens agressores.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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