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Telegram barra grupos que apoiam golpe; por que empresa mudou de postura?

Christian Wiediger/Unsplash
Imagem: Christian Wiediger/Unsplash

Gabriel Dias

Colaboração para Tilt*

01/11/2022 16h50

Após o fim do segundo turno das eleições no último domingo (30), o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já bloqueou dezenas de grupos de extrema-direita no Telegram que defendiam um golpe militar e conclamavam seguidores a organizar manifestações em apoio à causa, segundo a coluna de Carolina Brigido.

Os grupos banidos ontem do Telegram anunciavam uma "paralisação geral pelo Brasil". O Telegram havia sido o aplicativo utilizado por caminhoneiros para organizar protestos em rodovias do país contra a vitória de Lula. Muitas mensagens tinham conteúdo golpista e alguns grupos foram desativados pela própria plataforma.

Foram bloqueados ao menos 27 grupos do Telegram que somavam 153.273 seguidores. Os títulos desses grupos mencionavam "Paralisação Geral" ou "Intervenção". O supergrupo B-38, que já havia sido suspenso alguns meses antes das eleições, voltou a ser derrubado.

Os bloqueios são resultado da mudança de postura do aplicativo de mensagens desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) ordenou seu bloqueio do Brasil por manter na plataforma a presença de perfis que organizavam ataques contra a democracia na internet.

Mesmo depois da eleição, o TSE promete continuar monitorando grupos desse tipo para evitar que manifestações antidemocráticas perturbem o ambiente do país para a diplomação e posse do presidente eleito.

A reportagem procurou o TSE e o Telegram para comentários adicionais e não tiveram retorno até a publicação.

Ameaça de bloqueio

Lançado em 2013 como um aplicativo com foco em privacidade e livre de anúncios, o Telegram ultrapassou 700 milhões de usuários ativos mensais em 2022.

No início deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o bloqueio do Telegram por manter perfis que organizavam ataques contra a democracia na internet. Na época, a empresa silenciou sobre o caso e não respondeu às tentativas de contato da justiça.

Por padrão, o silêncio é como o Telegram costumava lidar com inquisições de governos ao redor do mundo. O app dizia que, seguindo os princípios do seu criador, não lidava com o que era considerado "restrições de liberdade de expressão" e não aplicava a moderação no que era compartilhado em sua plataforma.

"Dependendo das circunstâncias e do teor das informações que são disseminadas no aplicativo de mensagem, a justiça pode ordenar que o Telegram identifique essas contas e que suspenda esses grupos ou contas individuais", explicou a advogada especialista em direito digital, Gisele Truzzi.

A justiça pode inclusive, solicitar ao aplicativo dados que possibilitem a identificação das pessoas que estão por trás desses grupos ou mensagens.

"No primeiro momento, a justiça pode, como já fez com o WhatsApp, por exemplo, determinar que o Telegram apresente dados de conexão e demais informações que permitam a identificação dessas pessoas", destacou Gisele.

Caso sejam identificados os autores de mensagens que ameacem a democracia, eles podem responder a crimes cometidos contra instituições democráticas:

  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L): Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. A pena é de reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
  • Golpe de Estado (Art. 359-M): Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. A pena é de reclusão, de quatro a doze anos, além da pena correspondente à violência.

Mudança de postura

No atrito anterior entre o app e a Justiça brasileira, o próprio Alexandre de Moraes revogou a ordem de bloqueio, após o cumprimento de determinações da Corte que estavam pendentes.

O STF havia enviado para a empresa uma lista de determinações que incluía a indicação de representante oficial do aplicativo no Brasil; o envio de informações sobre providências para combate à desinformação; e o cumprimento integral de decisões que determinaram retirada de conteúdo ou bloqueio de canal.

O indicado pela empresa foi Alan Campos Elias Thomaz. Além disso, como medidas para combate à desinformação no Brasil, o Telegram citou o monitoramento dos 100 canais mais populares e o acompanhamento da mídia brasileira.

O aplicativo também se comprometeu em estabelecer relações de trabalho com agências de checagem e restringir postagens públicas para usuários banidos por espalhar desinformação, além de atualizar termos de serviços e promover informações verificadas.

Procurada por Tilt, a assessoria de imprensa do STF disse apenas que o processo envolvendo o bloqueio de contas no Telegram é sigiloso e que não possui informações sobre o assunto.

Entrada na bolsa de valores

O advogado Carlos Affonso, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, considera que o aplicativo teve uma mudança de postura, talvez como parte do plano de realizar um IPO (processo que marca a entrada de uma empresa na bolsa de valores) nos próximos anos.

"Certamente a ameaça de bloqueio no Brasil foi um momento determinante para essa mudança de rota. Não apenas o Brasil é um mercado expressivo, como futuros acionistas poderiam ter dúvidas em investir em uma empresa que enfrenta bloqueios mundo afora, tornando seus produtos e serviços menos acessíveis e confiáveis a longo prazo", analisou.

O site Decrypt já havia noticiado que a empresa responsável pelo aplicativo de mensagens está considerando lançar uma oferta pública inicial nos próximos dois anos. A empresa sugere uma possível valoração entre US$ 30 e US$ 50 bilhões, conforme noticiado pelo jornal russo Vedomosti.

(*) Com informações adicionais de Folha de S. Paulo e Núcleo Jornalismo