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Eleições 2022: por que tanta gente acredita e compartilha fake news

Lula e Bolsonaro, candidatos à Presidência em 2022 - Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP
Lula e Bolsonaro, candidatos à Presidência em 2022 Imagem: Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Tilt, do Recife

27/10/2022 09h48Atualizada em 04/11/2022 11h41

Fake news sobre o funcionamento das urnas eletrônicas, a falta de autoridade do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o fechamento de igrejas estão no centro das Eleições 2022. Um único boato sobre suposta fraude nos votos atingiu ao menos 20 mil pessoas.

Facebook, Instagram, YouTube (e outras plataformas) chegaram a retirar conteúdos falsos do ar, mas a desinformação é algo que fugiu do controle há anos. Existe o lado estratégico de quem cria as fake news de modo proposital, mas também existe o lado de quem acredita. Por que será que tanta gente compartilha informações que muitas vezes parecem absurdas e difíceis de serem verdade?

Segundo especialistas consultados por Tilt, parte do problema envolve táticas psicológicas que os disseminadores usam para convencer as pessoas de que algo mentiroso é real. As ferramentas mais usadas para isso nestas eleições têm sido: vídeos (37,3%), texto (32,9%), imagem (22,6%) e áudio (7,2%), segundo levantamento da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), destacado em reportagem da Folha de S. Paulo.

O professor de psicologia Fábio Belo, da UFMG, compara a estratégia de criar notícias falsas com o mito do bicho papão ou do papai Noel. Enquanto no primeiro cria-se um inimigo a partir do medo, da raiva e da indignação, no segundo a história apela para os sentimentos de esperança, recompensa e entusiasmo. Ao despertar esses sentimentos, o adulto consegue mobilizar as crianças em favor de seus interesses.

Quem determina o que é verdade absoluta?

Não é de hoje que esse questionamento desafia teóricos e coloca em xeque as crenças de uma geração. Psicólogos, psicanalistas, sociólogos e filósofos se debruçam sobre a temática da construção de narrativas (e as verdades atribuídas a elas) para compreender essa dinâmica do que é real e o que não é.

A guerra entre vikings e cristãos é um bom exemplo, segundo os entrevistados. Muito mais do que mostrar o poderio militar dos escandinavos, a conquista por terras se tornou também uma disputa ideológica, tendo como pano de fundo a religião, com reflexos em toda forma como a sociedade se organizava.

Esse movimento é o que determina o núcleo de forças político-afetivas que predominará e influenciará maciçamente as pessoas.

"Todos os povos, ao longo da história, construíram narrativas sobre como devemos viver, nos relacionar e educar nossas crianças. Só um gesto de força é capaz de fazer com que essas narrativas sejam questionadas e postas à prova", explica Belo.

E como as fake news entram nisso?

As notícias falsas nada mais são do que a construção de narrativas contrárias a um sistema vigente, que vão mobilizar as pessoas a partir de um contingenciamento histórico, afetivo e emocional delas.

Em outras palavras: as crenças das pessoas se baseiam não em evidências, mas no seu contexto de vida e em todas as relações que elas desenvolveram desde a infância, incluindo aí os seus medos e as suas perspectivas de vida e futuro. Por isso as fake news são um fenômeno tão complexo e difícil de ser combatido.

Se uma informação é dita/compartilhada por uma pessoa pública (como celebridades, influencers, políticos) que você confia, a tendência é que você continue concordando com essa pessoa por se sentir representado.

Guerra de narrativas: "quero distância do inimigo"

Segundo Belo, toda a estrutura das notícias falsas ataca pontos centrais das narrativas emocionais e vai agregando outros elementos, para produzir, nos casos políticos, a ideia de um inimigo a ser destruído (por isso, desconfie de qualquer tipo de mensagem que cause fortes emoções como raiva, angústia, desespero. Pode ser fake news).

Isso explica porque, durante disputas eleitorais acirradas e dissonantes, tendemos a nos decepcionar com algumas pessoas com as quais nos identificávamos. O processo de compreensão de um mesmo grupo de informações será interpretado por cada um a partir de suas crenças afetivas.

Esse movimento de forças opostas é o que faz com que, em determinados períodos da história, a religião exerça um poder de influência maior na sociedade, enquanto em outras, a ciência se torna mais preponderante. "Desde Galileu Galilei a ciência vem ganhando terreno afetivo nas pessoas. Antes era a religião", diz o professor de psicologia.

"O comunismo, por exemplo, é um conceito que vai contra o senso comum capitalista de que a propriedade privada é um direito sagrado. Ao vincular um movimento político-partidário a ele, apela-se para dois dos maiores núcleos afetivos das pessoas: a casa e a família", diz.

O professor dá ainda outro exemplo: para sobreviver e crescer enquanto narrativa moral dominante numa sociedade capitalista, muitas igrejas precisaram atrelar seu discurso religioso à narrativa capitalista.

Em algumas religiões, existe a ideia de que a resposta de Deus para o crescimento espiritual dos seus seguidores é o enriquecimento. "A partir dessa narrativa, atrelam-se outros discursos, como o da meritocracia, que faz o pobre acreditar que, se ele trabalhar muito, terá acesso às classes dominantes", afirma Belo.

E por que se compartilha tanta fake news?

Segundo a cientista política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Nara Pavão, o desejo de reafirmar aquilo em que acreditamos é o que leva as pessoas a compartilharem conteúdos, ainda que elas saibam que são falsos.

"O processo de racionalidade na política também é motivado pelo desejo de expor nossa identificação. É o que chamamos de racionalidade motivada, criada a partir daquilo em que acreditamos ou que desejamos que fosse verdade", afirma Nara, que desde 2018 se debruça sobre pesquisas envolvendo fake news.

Segundo ela, das eleições de 2018 para cá, foram publicados diversos estudos que provam que as pessoas são levadas a compartilhar um conteúdo por sua identificação, ainda que elas saibam que ele possa conter mentiras ou informações falsas.

O mais importante, para elas, é a reafirmação de suas crenças — e nem sempre isso é feito porque a pessoa quer propagar algo mentiroso. Muitas realmente acreditam no que estão lendo.

"De fato, a maioria das pessoas estão mais preocupadas com que a informação seja compatível com suas crenças do que com a veracidade delas e se é favorável ou não àquilo que ela acredita. E como estamos vivendo em um mundo pós-verdade, esse processo é reforçado pelas redes sociais, cujos algoritmos reforçam as câmaras de eco de nossas ideias", explica a cientista política.

De acordo com Nara, na medida em que um conteúdo mentiroso ganha repercussão, as pessoas se sentem ainda mais motivadas para continuar compartilhando fake news.

Dicas para detectar fake news

  • Sentiu muita raiva? Desconfie. Como vimos até aqui, as fake news usam fatores psicológicos para convencer as pessoas. Elas geram diferentes e intensos sentimentos.
  • Recebeu algo com título chamativo? Leia o conteúdo completo da suposta notícia, porque nem sempre a chamada condiz com o texto.
  • Quando receber uma notícia, verifique a data da publicação. Muitas fake news tiram uma informação de contexto para influenciar quem as recebe.
  • Fique alerta com erros gramaticais no texto, uso de caixa alta, emojis apelativos e utilização exagerada de pontuação.
  • Cuidado frases clichês. Elas também são usadas para enganar e atingir o emocional das pessoas

Na dúvida, não compartilhe e verifique se a informação está sendo repercutida em veículos de imprensa confiáveis e/ou nas próprias organizações envolvidas (como o TSE, no caso das Eleições). Há ainda os sites de checagem de fatos, como: