Como torcer por 'Ainda Estou Aqui' e ignorar as tretas do Globo de Ouro
Brasileiro adora uma torcida. A bola da vez é "Ainda Estou Aqui", filmaço do diretor Walter Salles que foi indicado em duas categorias no próximo Globo de Ouro —melhor filme em língua não inglesa e melhor atriz com Fernanda Torres. Sucesso nos cinemas, o drama ambientado durante a ditadura militar brasileira pode ganhar um palco global ainda maior.
Não será um caminho fácil. O celebrado "Emila Perez", que intercala thriller policial com números musicais, desponta como o favorito da festa. Lembrado em 10 indicações —inclusive melhor filme (na categoria musical ou comédia), melhor direção (Jacques Audiard)—, essa coprodução França e Bélgica também concorre como filme em língua não inglesa, arranhando as chances de "Ainda Estou Aqui".
As regras bizarras na divisão das categorias, contudo, aumentam as chances de Fernanda Torres garfar o troféu de melhor atriz. Entre as indicadas por drama, ela tem Angelina Jolie (por "Maria Callas") e Nicole Kidman ("Babygirl") como maiores adversárias, já que Mickey Madison ("Anora"), Karla Sofía Gascón ("Emilia Perez") e Demi Moore ("A Substância") concorrem por comédia/musical.
As indicações para "Ainda Estou Aqui" são, ao menos por aqui, o maior atrativo para acompanhar o Globo de Ouro. A festa chega em seu segundo ano com nova gerência e a missão de recuperar o prestígio, esfarelado por denúncias de corrupção, suborno e assédio sexual que projetaram uma sombra no que já foi considerada a celebração mais divertida de Hollywood.
Antes tocada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, a HFPA, a "marca" foi comprada pelo bilionário Todd Boehly —proprietário, entre outras coisas, do Chelsea FC, dos LA Lakers e da Penske Media, que publica o "Hollywood Reporter" e a "Rolling Stone"— como investimento no mundo mágico do entretenimento. Dissolvida em 2023, a HFPA foi recriada como Golden Globe Foundation e segue envolvida na administração da premiação, hoje tocada pela Dick Clark Productions (outra empresa do portfólio de Boehly).
Se alguns problemas foram sanados, como a falta de diversidade e hermetismo em seu corpo votante, expandido de 85 para 300 membros, outros precisam do teste do tempo para ter um veredito. A nova categoria que premia o melhor especial de comédia standup —os indicados incluem Jamies Foxx, Ali Wong e Adam Sandler— pode trazer um recorte diferente de público. Já a preguiçosa categoria de "bilheteria global" mira o óbvio e busca premiar o que a plateia já celebrou com suas carteiras.
Um dos principais problemas da última edição do Globo de Ouro foi a escolha de seu apresentador. Quando ninguém se dispôs a encarar o trampo, defendido em anos anteriores por gente do quilate de Ricky Gervais, a organização optou pelo humorista Jo Koy, sujeito absolutamente sem graça que tropeçou no roteiro e foi desastroso quando decidiu improvisar. A festa a ser transmitida em 5 de janeiro será conduzida pela comediante Nikki Glaser. Dedos cruzados.
A festa do Globo de Ouro só tem algum vulto por ser transmitida como programa de TV —chamariz importante para que os estúdios e as emissoras de TV vendam seu peixe. Na prática, contudo, seus prêmios nunca foram levados a sério pela indústria, até por se tratar de um número muito reduzido de votantes —uma das situações contornada nessa nova gestão. O que os astros gostam mesmo da cerimônia, transmitida do hotel Beverly Hilton (também parte do portfólio de Todd Boehly) é o clima descontraído regado a bebida e piadas.
Não existe, claro, como levar a sério um prêmio que coloca o drama "Anora" e o terror "A Substância" para concorrer como comédia ou musical —entre os indicados na categoria, "Wicked" é o único que se encaixa na descrição. Mas é uma reclamação antiga e, pelo visto, não será alterada tão cedo. Critérios assim mostram que o Globo de Ouro, além de precisar de foco, não seria de forma alguma uma "prévia" do Oscar.
Por outro lado, a cerimônia em janeiro é uma grande vitrine. A presença de "Ainda Estou Aqui" na festa garante, no mínimo, ainda mais visibilidade para o trabalho de Walter Salles —o filme estreia em Los Angeles e Nova York em 17 de janeiro, expandindo para o resto do país no mês seguinte. A votação para o Oscar será encerrada ao fim de fevereiro, e todo esforço para colocar a produção brasileira sob os holofotes é válido.
Exatamente por isso, a torcida para "Ainda Estou Aqui" no Globo de Ouro é grande. Nas redes sociais, brasileiros já estão fazendo o que fazem melhor: inundar postagens gringas sobre o filme com uma pitada de calor tropical. Vale ressaltar que o filme não precisa ser validado com prêmios gringos, mas seria ingenuidade não reconhecer o valor de um Oscar —este sim, relevante para nosso cinema. Sem falar que é a oportunidade perfeita para exibir as bandeiras verde e amarelas pelos motivos certos.
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