Ricky Hiraoka

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Reportagem

Claudia Souto: 'Novela dá certo se o público quer ser amigo do personagem'

Homoafetividade, relacionamento abusivo, racismo no ambiente de trabalho e machismo são assuntos que, aparentemente, não combinam com a novela das sete, certo? Errado. Claudia Souto, autora de "Volta Por Cima", provou que, com inteligência, humor e estratégia, tudo pode ser abordado numa trama para toda a família.

Ao lado de sua equipe, formada por Wendell Bendelack, Julia Laks, Isadora Wilkinson e Juliana Peres, criou uma trama leve e divertida com camadas de profundidade sem nunca cair no panfletarismo tolo e vazio.

"Volta Por Cima" chega ao fim hoje cumprindo as metas de audiência e com reconhecimento do público e da crítica. Na entrevista abaixo, Claudia Souto avalia a performance da novela.

Como analisa toda a trajetória de "Volta Por Cima"? O que surpreendeu você nessa jornada?
Tiveram várias surpresas ao longo do caminho. Me surpreendi com a identificação imediata do público. De cara, a novela foi muito aceita. Os primeiros capítulos causaram um rebuliço. Foi uma surpresa boa. Quando é aceita desde o primeiro capitulo, você ganha confiança.

Roxelle (Isadora Cruz) como nova musa da escola de samba em 'Volta por Cima'
Roxelle (Isadora Cruz) como nova musa da escola de samba em 'Volta por Cima' Imagem: Manoella Mello/Globo

Sobre os personagens, me surpreendeu a Roxelle (Isadora Cruz), que foi desenhada para ser a antagonista da Madá (Jéssica Ellen). A empatia que o público teve com a interpretação da Isadora Cruz me fez pensar que ela não poderia ser uma vilã. Ela brilha. Tem muito carisma. Percebi que esse personagem teria que trazer alegria para público em vez de raiva.

Com isso, Cacá (Pri Helena) virou a vilã. Pri Helena é a grande revelação da novela. Ela chegou para ser a capanga do Osmar (Milhém Cortaz) e da Violeta (Isabel Teixeira) e foi ganhando espaço à medida que eu jogava a bola para ela —e Pri devolvia mais redonda. Cacá mal existia na sinopse original.

Jão (Fabricio Boliveira) e Madalena (Jéssica Ellen) em 'Volta por Cima'
Jão (Fabricio Boliveira) e Madalena (Jéssica Ellen) em 'Volta por Cima' Imagem: Léo Rosário/Globo

Outra surpresa tem a ver com a narrativa. Em geral, o casal principal demora muito para ficar junto. Vi que de cara o público torcia por Jão (Fabricio Boliveira) e Madalena e tive dificuldades de separar os dois. Essa narrativa do casal principal possibilitou que eu os juntasse antes do tempo de novo e antecipasse o casamento que, em geral, acontece no último capítulo. Pude ser mais moderna porque o público tinha certas necessidades.

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Apesar de ser uma novela das sete, você conseguiu tratar de temas polêmicos, como relacionamento tóxico, relações homoafetivas e machismo. Essas abordagens estavam previstas desde a sinopse original?
Você tem que entrar muito respeitosamente na casa das pessoas quando você trata de temas delicados e que não parecem palatáveis nesse país machista, que tem raízes e cotidiano racistas. Eu entro com muita licença, porque, ao contraponto de saber que o país é isso tudo, o Brasil também é acolhedor. O Brasil é um país de contrastes interessantes. Ao mesmo tempo que sei que a pauta LGBT é muito delicada na sociedade, eu sei que é um país que acolhe o amor.

Rodrigo e Bruno Fagundes vivem casal em 'Volta por Cima'
Rodrigo e Bruno Fagundes vivem casal em 'Volta por Cima' Imagem: Léo Rosário/Globo

Sobre relacionamentos homoafetivos, você vê que quando as construções são bem-feitas, quando o público sabe por que um personagem ama o outro, ele passa a torcer por aquela relação. Você vai ganhando espaço na sociedade quando você traz a discurso para o afeto e não para a bandeira. Acho o polêmico, muitas vezes, mais fácil e barulhento. Eu prefiro a delicadeza. Não faço tanto barulho, mas quando repercute, repercute no afeto, na aceitação. Essa é minha maneira de me expressar.

Gerson Barros (Enrique Diaz) em 'Volta por Cima'
Gerson Barros (Enrique Diaz) em 'Volta por Cima' Imagem: Manoella Mello/Globo

Com relação ao relacionamento tóxico, eu tinha abordado isso em "Cara e Coragem", em que Bruno Fagundes minava as parceiras psicologicamente. Na época, recebi muitas mensagens de espectadoras e até amigas se reconhecendo na situação. Em "Volta Por Cima" eu tinha um vilãozão mesmo, o Gerson (Enrique Diaz), que eu falei que a gente tinha que colocar todas as maldades nele para ao público saber que ele não tem empatia por alguém. Esse era o personagem mais possível de levar isso mais adiante e mostrar esse problema mais a fundo.

Justamente por poder ir mais fundo, a coisa do sinal que Roxelle faz para se livrar do Gerson tomou uma proporção muito grande. Não imaginava que isso seria tão falado. A princípio, o Jô (Vitor Sampaio) ia salvar a Rochelle. Mas achei que estava errada, ela ser salva por alguém. Roxelle é a expressão da liberdade e precisava sair disso sozinha. Lembrei que existia um sinal de socorro e coloquei na novela. Saiu na imprensa, foi para todas as redes, uma parte do por que fazemos novela é para dialogar com a sociedade, prestar serviços. Foi um serviço bem feito.

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Outro assunto importante que trouxe para "Volta Por Cima" foi através de Jão, que falou dessa realidade triste e absurda que algumas empresas têm que é pagar menos para pretos. Fabricio me mostrou uma pesquisa sobre isso no começo da novela e abordamos esse tema no terço final da trama. Não era Jão sendo humilhado, mas descobrindo que isso existe e tentando resolver. Não basta apontar problema, precisa criar um novo imaginário no país em que as pessoas conseguem reverter situações que no cotidiano as oprimem.

Eu tenho o orgulho imenso de quando veio a segunda pesquisa qualitativa da novela, a palavra mais dita foi reflexão. No começo da novela, era diversão. Se consegui fazer um país refletir com entretenimento, eu já saí com a missão cumprida, mas termino "Volta Por Cima" sem saber como eu começo uma nova novela.

Como surgiu a ideia de abordar a cultura coreana em Volta Por Cima? Foi uma maneira de chamar a atenção de um público mais jovem?

Jin (Allan Jeon) em 'Volta por Cima'
Jin (Allan Jeon) em 'Volta por Cima' Imagem: Manoella Mello/Globo

O primeiro estímulo para tratar disso foi trazer gente mais jovem que curte K-pop. Mas eu vi que tem muita gente mais velha que consome também. Desde o início, eu queria abordar a crueldade do sistema de trabalho deles. Queria abordar os bastidores do K-pop. Então, a filha de uma amiga, que foi trabalhar com um grupo de K-pop na Coreia do Sul, me contou que levava chocolate escondido para eles porque eles precisam manter o peso e que emprestava o celular para eles, porque eles têm o telefone confiscado. É uma indústria em que, vira e mexe, tem um jovem que tira a própria vida. Eu queria tratar disso.

Além do núcleo de K-pop, já estavam previstas escalações de atores asiáticos para outros personagens?
A gente queria a novela o mais inclusiva possível e que os amarelos não fossem reduzidos ao núcleo K-pop. Eu queria abordar a diferença entre os povos asiáticos e, em duas ocasiões na novela, eu expliquei as diferenças entre as culturas chinesa e coreana.

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Foi a primeira vez que abordei a cultura asiática numa novela minha, mas a primeira sinopse de novela que eu escrevi, em 2005, tinha uma mocinha chinesa. Essa novela andou bastante e chegou quase a ser aprovada, mas a minha caiu quando "Negócio da China" entrou em produção. Há muito tempo sou fascinada pela cultura asiática.

Muito se fala de uma possível crise na teledramaturgia. O que você acredita que o público deseja de uma novela?
O público é dinâmico. O espectador pós pandemia é diferente da massa para quem eu escrevi "Pega Pega" em 2017. É diferente em relação a hábitos, entendimento do mundo, oferta de entretenimento. Esse estudo do público tem que ser constante. O público hoje quer se ver, quer se identificar e se emocionar e as emoções são muitas, da raiva à paixão. Só uma coisa não muda: novela dá certo se o público quer ser amigo do personagem.

Reportagem

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2 comentários

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Wagner Carneiro Lopes

Willians Cesar Pitelli Turco, não assisto a novelas, mas minha família TODA assiste, e gosta, e comenta, e acompanha, e curte. Se vc quer mesmo saber se alguém ainda vê novelas, é só olhar nos números da audiência e comparar com as demais redes de TV. Simples assim!!! Agora pq que em vez de vc xingar a globo, vc não usa o seu maior aliado, aquele que só vc pode comandar, e simplesmente pega seu controle remoto e troca de canal, opções NÃO FALTAM!!!

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Willians Cesar Pitelli Turco

Ainda tem gente que assiste novela da #globolixo ?

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