Ricky Hiraoka

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Opinião

Sem sensualidade nem ousadia, novela nacional corre risco de virar dorama

Causou certo espanto a opção da Band de inserir uma tarja em determinados momentos da exibição do primeiro capítulo de "Beleza Fatal" para alertar o espectador sobre cenas com nudez e conteúdo sexual. Com alta carga de sensualidade, era esperado que a emissora do Morumbi eliminasse sequências mais picantes de "Beleza Fatal" por exibir a trama às 20h30. O bom senso, porém, prevaleceu, e o canal optou por transmitir na íntegra o desenvolvimento da história de Lola (Camila Pitanga). Uma possível edição para amenizar o tom de "Beleza Fatal" descaracterizaria a essência da novela, que tem o comportamento libidinoso de seus personagens como um de seus pilares narrativos e dos motivos de sua popularidade nas redes sociais.

A discussão sobre prováveis cortes nos capítulos de "Beleza Fatal" mostra como a TV brasileira encaretou nos últimos tempos. Se antes tínhamos produções ousadas, como "Tieta" (1989) e a primeira versão de "Pantanal" (1990), novelas que abusavam da sensualidade, como "Quatro Por Quatro" (1994) e "Uga Uga" (2000), e minisséries que exploravam sem pudor a sexualidade, como "Engraçadinha" (1995), hoje, os folhetins brasileiros padecem de uma falta de vigor e paixão. A abordagem dos relacionamentos ficou mais pudica, quase infantilizada, e, às vezes, a sensação que dá é de que teledramaturgia nacional caminha para ser tão casta quanto os doramas coreanos.

Não defendo aqui a veiculação de cenas de conteúdo sexual sem contexto como acontece em séries como "Quem Matou Sara?" e "Fogo Ardente", ambas da Netflix, mas não podemos ter produções que ignorem completamente a intimidade do brasileiro entre quatro paredes. A sexualidade não precisa ser escancarada visualmente. Há caminhos menos gráficos para retratar questões desse universo. O autor Manoel Carlos costumava debater assuntos dessa natureza nos diálogos de suas novelas, como em "Laços de Família" (2000) em que Helena (Vera Fischer) e Ivete (Soraya Ravenle) falavam abertamente sobre prazeres sexuais, ou em situações que abordavam comportamentos pouco vistos nos folhetins, como a bissexualidade do personagem Rafael (Odilon Wagner) em "Por Amor" (1998).

A ficção tem como uma de suas funções ser o retrato de uma época. Tramas contemporâneas da TV aberta que evitam tratar de sexo ou de sexualidade perdem uma oportunidade de refletir temas atuais e de dialogar com a sociedade, que, mesmo inconscientemente, espera ver seus dilemas retratados na telinha.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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