SBT vai além do grátis para ser o 'fornecedor de nostalgia' do streaming
A TV morreu. Vida longa ao streaming. Certo? Nem tanto. A televisão aberta continua forte, como demonstram os números do Kantar Ibope, e nossos tradicionais grupos de mídia estão se reinventando para acompanhar as novas tendências. O SBT é um exemplo claro dessa busca: a emissora lançará o +SBT no dia 18 deste mês. Contudo, a novidade é apenas parte de uma estratégia mais ampla, que começou há mais de dez anos.
"Percebemos o potencial do licenciamento para terceiros quando observamos a crescente demanda por conteúdo de qualidade em diversas plataformas de streaming", conta Carolina Gazal, diretora de Conteúdo Digital do canal, em entrevista exclusiva à coluna.
Por anos, o SBT usou uma tática que os norte-americanos chamam de "fornecedor de armas". Ou, sendo menos bélico e mais brasileiro, um fornecedor de nostalgia. Afinal, passaram a vender o seu catálogo de produções próprias - muitas com um público já engajado e parte da memória afetiva nacional - para serviços já estabelecidos no vídeo sob demanda.
Um exemplo notável é "Chiquititas", a versão originalmente veiculada entre 2013 e 2015. A novelinha ainda tem espectadores cativos na Netflix, mesmo estando lá há quase uma década. No último grande relatório disponibilizado pela empresa californiana, o folhetim foi a 63ª maior audiência global em número de horas. Claro, o fato de ter 545 episódios pesa bastante. No entanto, ela está disponível apenas no Brasil, enquanto consegue reter os espectadores no mesmo nível de produções globais como "Round 6" e a primeira temporada de "The Witcher" no mesmo período.
Essa estratégia nos permitiu expandir nosso alcance, fortalecer a marca e gerar novas receitas. Escolhemos esse caminho para potencializar a distribuição de nosso conteúdo e permitir que outros públicos tivessem acesso ao nosso cardápio de entretenimento. Carolina Gazal, diretora do SBT
Segundo a executiva, os licenciamentos - que incluem Prime Video e, mais recentemente, o Disney+ - "são baseados em contratos que determinam a duração, os territórios e os direitos de exibição do conteúdo" e que envolvem uma "negociação cuidadosa".
A coluna apurou que são compromissos de múltiplos anos, com a quantia total sendo paga pela Netflix em parcelas trimestrais ao longo do tempo de acordo. As companhias não abrem valores, mas eles variam conforme a demanda de público e - principalmente - a retenção gerada. "Chiquititas" sai na frente nesse último quesito, assim como "Carrossel" e "Carinha de Anjo".
"Eles [os parceiros] são rentáveis para o SBT", explica Carolina. "Não só fornecem uma fonte significativa de receita, mas também aumentam a exposição da nossa marca e dos nossos conteúdos. Essa diversificação é uma estratégia-chave para a sustentabilidade e crescimento a longo prazo da empresa."
Um dinheiro que deve cair bem em uma companhia que, segundo o balanço de 2023, teve uma ligeira queda nas receitas, ficando com R$ 1,149 bilhão. Para comparação, a Globo teve R$ 15 bilhões recebidos no mesmo período.
Presença no YouTube
Outra plataforma que já estava sendo trabalhada pela emissora é o YouTube. Lá, o SBT tem 12,4 milhões de inscritos em seu canal principal e outros 6,32 milhões em um secundário, focado no jornalismo. O alcance é muito maior que o da TV Globo, que tem 5,84 milhões.
A diferença ocorre porque as duas empresas adotam caminhos diferentes. Enquanto o conglomerado dos Marinho utiliza a plataforma do Google como meio de divulgação de suas obras de entretenimento, o dos Abravanel efetivamente veicula produções - incluindo entrevistas de programas completos e até lives com jogos da Copa Sul-Americana.
O que muda em relação à Netflix é o formato como isso funciona, em termos comerciais. Saem de cena os contratos de licenciamento, entra a remuneração pela publicidade veiculada antes, durante e depois dos vídeos.
"O YouTube é um grande parceiro do SBT há mais de dez anos", conta Carolina. "Temos um inventário gigante".
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Coprodução e concorrência
Mais recentemente, a emissora fundada por Silvio Santos abriu uma segunda porta no streaming: a da coprodução. Por meio dela, o SBT pode criar programas em conjunto com outros grupos de mídia. Já foram firmados acordos desse tipo com a Amazon (dona do Prime Video) e a Warner Bros. Discovery (Max). Recentemente, também fechou um contrato com a Disney para exibir sua mais nova novela, "A Caverna Encantada", simultaneamente no Disney+ e na TV aberta.
Isso não tiraria a audiência do canal? Carolina Gazal discorda: "São parcerias estratégicas que proporcionam o compartilhamento de expertise, recursos e audiência. Não vemos isso como competição. Os públicos são completamente diferentes e nosso conteúdo é sucesso em diversos perfis. Ter nossas novelas lado a lado com propriedades intelectuais internacionais como 'Star Wars', 'As Princesas', 'Stranger Things' e tantos outros é mais uma prova da fortaleza e carinho que o público tem conosco, além de expandir nossa presença no mercado global de entretenimento."
Acreditamos que o futuro será híbrido, com a TV aberta e o streaming coexistindo e se complementando. A TV aberta continuará sendo um meio poderoso para alcançar grandes audiências de forma simultânea, especialmente em eventos ao vivo, coberturas jornalísticas e programas populares. O streaming, por outro lado, atenderá à demanda por conteúdo mais personalizado.
Entra o +SBT
A nova plataforma, que chega no dia 18, é a última parte desse plano para o streaming.
O +SBT será 100% grátis e adotará o modelo FAST, com canais lineares segmentados com programação nas 24 horas do dia e intervalos comerciais - no mesmo formato da Pluto TV e da Samsung TV Plus. Os títulos também estão disponíveis sob demanda, podendo ser assistidos da mesma forma que é feito na Netflix.
Esta coluna já acessou uma versão beta e pôde conferir alguns dos diferenciais.
Para os nostálgicos, o catálogo traz episódios de Veja o Gordo e do Show do Milhão do finalzinho dos anos 1990, além de novelas como "Esmeralda" e humorísticos como "A Escolinha do Golias".
Há também algumas pedras preciosas a serem garimpadas, como a estreia de Hebe Camargo no SBT (em março de 1986), ou ainda Jô Soares entrevistando Zélia Cardoso de Mello enquanto ela ainda era ministra da Economia. Certamente um registro que merece ser estudado pelos historiadores.
O conforto nostálgico é um dos nossos pilares e desempenha um papel significativo no sucesso dos nossos conteúdos no streaming. Programas clássicos do SBT têm uma base de fãs leais que aprecia reviver momentos icônicos da televisão. A memória afetiva não só atrai espectadores que cresceram assistindo ao SBT, mas também introduz esses programas a novas gerações. Carolina Gazal, diretora do SBT
Há também títulos mais recentes, como a nova versão do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" (que leva o selo de "Original +SBT") e o Programa Silvio Santos da última semana. Estão prometidas outras produções exclusivas, com séries documentais sobre personalidades como a própria Hebe e Carlos Alberto de Nóbrega. Isso sem contar o sinal ao vivo, em tempo real, do SBT.
Invertendo o jogo, o +SBT traz obras licenciadas de terceiros, incluindo até a primeira temporada da versão moderna de "Doctor Who" e filmes na linha de "Ring: O Chamado" (o original japonês).
"Fechamos com estúdios e distribuidoras como BBC, Lionsgate, Encripta, ZDF, Cisneros, Banijay, Multiplatino etc, além de produtoras nacionais como Casa de Cultura Manoel de Nóbrega e Produtora Brasileira de Arte e Conteúdo", conta Carolina. "Estamos abertos para novas parcerias", frisa a executiva.
Tudo isso já com publicidade: mesmo em beta, foi possível ver mais marcas e anúncios do que na versão mais barata do Disney+, por exemplo.
Dessa forma, o SBT fecha um tripé que tem a televisão tradicional no centro, mas que explora o streaming para ganhar dinheiro no seu próprio playground e no dos outros. Agora, a missão é garantir que o público - dos 8 aos 80 anos de idade - apareça para se divertir ao som de "Silvio Santos vem aí".
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