Um bloco, seu porta-estandarte, a defesa da cultura e a torcida pelo Oscar

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No próximo dia 23 de fevereiro, um domingo antes do Carnaval e da cerimônia do Oscar que pode premiar o filme "Ainda Estou Aqui", como é tradição na cidade de São Paulo, o Acadêmicos do Baixo Augusta vai arrastar sua incrível multidão, esse ano com o tema "A força dos nossos pagodes", frase extraída de uma das mais belas letras de samba da história, composta pelo genial Jorge Aragão, homenageado do desfile.
Como acontece todos os anos, à frente dos trios elétricos e abrindo alas em meio ao milhão de pessoas, estará Marcelo Rubens Paiva, em sua cadeira de rodas elétrica, ostentando o estandarte dourado do bloco com a caveira de óculos e cartola bordados. O grande escritor, dramaturgo, intelectual, é um dos símbolos maiores da cultura da nossa cidade, e foi eleito porta-estandarte do Baixo Augusta por unanimidade pelos seus fundadores.
Além da marca do bloco, Marcelo carrega consigo a representatividade da contra cultura, da boêmia e da transgressão, características da região do Baixo Augusta que agrega além da Rua Augusta e seu entorno, a Praça Roosevelt e seus teatros, a Ocupação Nove de Julho, a Praça do Ciclista, o Parque Augusta, todos símbolos gigantes da luta pelo direito à cidade. Carrega também a ideia de uma cidade mais acessível e inclusiva em todos os sentidos.
O bloco que se especializou em misturar fervo com luta e fazer desfiles ativistas, esse ano defende o próprio Carnaval de rua, as rodas de samba, a vida noturna e a cidade ocupada pela cultura e pela arte, conquistas de São Paulo que parecem sempre correr riscos ao serem permanente ameaçadas por retrocessos e ataques conservadores.
Nada estranho no país que teve sua democracia atacada e viu o ódio contra sua própria cultura ser disseminado, tão recentemente.

O autor da obra-prima que conta a trajetória de sua mãe, Eunice Paiva, e que inspirou a outra obra-prima de Walter Salles, vai estar cercado pela energia mais potente que o Brasil pode gerar — aquela que vem do que fazemos de melhor, da festa, do Carnaval — sete dias antes do Oscar.
Ganhando ou perdendo o prêmio, a história já foi feita, porque a cultura brasileira está ocupando um espaço inédito de destaque, com as melhores pessoas possíveis nos representando. Quando vejo Fernanda Torres recebendo prêmios e falando sobre o filme nas redes e na mídia mundial, penso no sonho de um Brasil possível.
A potência de tudo isso é incalculável e, como bem disse o próprio Marcelo, após a conquista histórica de Fernanda no Globo de Ouro: "Tentaram acabar com o cinema brasileiro, criminalizar leis de incentivo à cultura, mas nós ainda estamos aqui. Eles se vão, a gente fica!"

Ficamos mesmo. Para carnavalizar a luta maior em defesa da nossa democracia — como nos ensinaram Eunice, Rubens e a família Paiva. Para defender as conquistas derivadas do ambiente democrático e livre, como as nossas cidades ocupadas com cultura e com arte.
Ficamos enfim, todos os anos, na beleza do Carnaval — instituição que melhor dá o sentido de continuidade ao Brasil — descendo a Consolação atrás do Marcelo e com a força dos nossos pagodes.
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