Alê Youssef

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Opinião

Briga não apaga sonho do empreendedorismo antissistema que irmãos criaram

Assistir a briga pública entre os irmãos Emicida e Fióti, repleta de detalhes vazados para a imprensa, é muito triste. Desde já expresso minha solidariedade aos envolvidos, que conheço e respeito.

Independente de quem tem ou não razão nessa história, tratam-se de duas importantes figuras da cultura brasileira. De um lado, um artista inspirador, sensível, que conquistou o Brasil inteiro com seu talento incontestável. Do outro, um empreendedor astuto, visionário, exemplo de executivo altivo para tanta gente.

Mas para além das questões pessoais que levaram à ruptura, a crise infelizmente coloca em evidência e sob risco o futuro da Lab Fantasma — um sonho "antissistema" que se tornou realidade, construído a partir da força transformadora do Hip Hop — e nos faz refletir sobre em que circunstâncias e ambientes, empreendedores independentes navegam e são desafiados para criar e manter negócios prósperos.

Acompanhei de perto a história da Lab Fantasma — do no início com sua a noite fixa no Studio SP, ao auge no Theatro Municipal, quando realizamos juntos, na minha gestão como Secretário de Cultura, o aclamado show Amarelo — e sei que, infelizmente, casos de sucesso como esse são raros na cultura brasileira.

Empreendedores criativos que se levantam de forma independente, em meio a um sistema dominado por grandes conglomerados empresariais e conseguem furar os monopólios e criar seus próprios caminhos de sucesso geralmente não se sustentam por muito tempo ou são incorporados ao sistema ao qual se antagonizavam antes.

Isso se repete em maior ou menor escala não apenas na música como na moda, nas artes plásticas, no audiovisual e outras áreas da nossa cultura.

Do ponto de vista da estruturação do negócio, a verdade é que o Brasil não oferece apoio para que o empreendedorismo criativo se desenvolva, seja ele focado na contracultura ou não. Nada de valorização ou estratégica para que projetos dessa natureza possam atingir seus potenciais de prosperidade.

A ausência de uma politica nacional de crédito para a economia criativa restringe empreendedores à busca de parcerias com a iniciativa privada e concessões pontuais ao próprio sistema vigente. Quando as parcerias privadas acontecem e os espaços no sistema pipocam, ótimo. Quando rareiam, geralmente os problemas começam a acontecer.

Ponto fora dessa curva, a Lab Fantasma é emblemática pois, como pontuou o hub de inovação digital para autonomia da comunidade negra MBM (Movimento Black Money) em manifestação recente, "tornou-se uma referência de branding, geração de empregos, representatividade e construção de patrimônio intelectual e criativo preto".

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A Lab é um conglomerado multifacetado, que tem potencial econômico importante e que coleciona contribuições para a cultura brasileira.

Por todos esses fatores, independentemente da disputa atual, é exemplo perfeito de negócio que deveria ser potencializado por uma politica de valorização do empreendedorismo criativo brasileiro, para poder crescer e impactar ainda mais.

Não é fácil navegar com propósito e originalidade em um ambiente que tem praticamente 80% do market share ocupado por um estilo musical dominante, pela ausência de marcos regulatórios para os streaming, pela eterna disputa pelos diretos autorais, pela saturação do sistema de festivais e pela diminuição de palcos para música independente.

Precisamos de um ambiente menos hostil e desafiador para que nossa cultura possa ser — através de seus empreendedores — uma alternativa real de desenvolvimento econômico-social e sustentável para o país.

Torço para que os ânimos sejam acalmados e os fatos — que foram tornados públicos - esclarecidos, para que a Lab Fantasma saia desse momento mais forte e renovada.

Como disse minha amiga Heloisa Aidar — que articulou pela Secretaria da Cultura o show Amarelo no Theatro Municipal —, precisamos trazer para frente do debate essa linda história da Lab Fantasma que não pode ser apagada, em meio ao ruído da atual divergência. Permanece como um exemplo de força e beleza do empreendedorismo cultural "antisistema".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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