Alê Youssef

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Opinião

Profissões criativas crescem, pagam mais e provam falha do país em formação

Mesmo crescendo em número de empregos e em valor de salários e sendo preferidas das novas gerações, as profissões derivadas da economia criativa brasileira permanecem fora do centro da política de formação profissional dos governos e das instituições que atuam na área, num descompasso impressionante.

Todo mundo sabe que o Brasil precisa de uma urgente revolução educacional para preparar as novas gerações para os desafios do futuro. Mas, infelizmente, ainda estamos distantes do cenário ideal da educação universal e de qualidade, capaz de promover a sonhada sociedade que garanta oportunidades iguais para enfrentar nossa terrível desigualdade social.

Ao mesmo tempo, existe uma possibilidade concreta de preparar agora a juventude para esse mercado de trabalho atraente, que cresce e que paga bem. Profissões derivadas da tecnologia, games, audiovisual, música, moda, arquitetura, design, publicidade, gastronomia, eventos culturais, artes em geral, estão na cabeça dos jovens e precisam de mão de obra qualificada no Brasil.

Vamos as dados: o Observatório da Fundação Itaú — que há anos realiza o importante trabalho de avaliação sobre emprego e a geração de renda do segmento — em pesquisa recém-divulgada, aponta para um mercado da economia criativa em franca expansão, com recorde de empregos gerados e uma média de salários maiores que outras profissões.

O patamar de geração de empregos do setor é o maior registrado desde o início da serie histórica da pesquisa, em 2012. Hoje, já são 7,8 milhões de empregos formais e informais. Foram criados 228 mil novos postos de trabalho em relação ao mesmo período do ano anterior, num crescimento de 3%. São, portanto, três trimestres de aumento considerável.

Os campeões da expansão foram as artes cênicas, que cresceu em empregos incríveis 109% — revertendo queda de 2023 — o mercado editorial, com 17%, o design (15%) e a publicidade (10%).

Além disso, os profissionais criativos recebem em média R$ 4,8 mil mensais, enquanto os empregados em outras áreas recebem em média R$ 3,2 mil. Infelizmente ainda existem os enormes desafios de equidade de raça e gênero, também nesse contexto: mulheres negras recebem R$ 2,2 mil em média, enquanto homens brancos atingem R$ 7,1 mil, homens pretos R$ 4,1 mil e pardos R$ 4,5 mil.

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Imagem: Getty Images

É bom ressaltar que encontramos ações de políticas profissionalizantes pontuais importantes espalhadas pela Brasil, um curso aqui e outro ali focado em alguma área criativa. O problema é que no contexto do enorme desafio da formação profissional da juventude brasileira, tais iniciativas acabam sendo minoritárias diante de uma maioria dos cursos técnicos mais tradicionais que são oferecidos para a população.

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Nas secretarias municipais e estaduais de cultura, por exemplo, são raros os projetos de formação com esse escopo. Quando acontecemm não têm o alcance necessário. Além disso, pelos eternos problemas orçamentários da cultura, ocorrem em detrimento de outras iniciativas importantes de política cultural.

As pastas de educação — também com raras exceções — igualmente permanecem distantes desse debate, enquanto as secretarias do trabalho continuam com o apreço a um passado vinculado às indústrias tradicionais.

Nesse sentido, os poucos projetos públicos criados com intenções de potencializar a formação criativa acabam sendo tratados como experimentais e ficam longe do salto de universalização necessário. São os casos do ProCultSP e da Rede Daora, de São Paulo, por exemplo.

Nas entidades do chamado Sistema S (Senai, Senac, Sesi, Sesc etc), que prestam serviços de formação profissional com o objetivo de promover o desenvolvimento social, econômico, cultural e profissional do país, alguns cursos de profissões criativas já são oferecidos há tempos. Mas — de novo — com alcance limitado.

Da mesma forma que seria um sonho ter um SESC como modelo de excelência de oferta cultural em cada bairro das cidades brasileiras, também seria maravilhoso ter um Senac como espaço ideal para todas essas ofertas de formação profissional em cada região das nossas metrópoles.

É tão óbvio que uma nova politica de formação profissional, atrelada ao fortalecimento do vínculo dos estudantes ao ensino médio, poderia proporcionar rapidamente muitas oportunidades de trabalho e renda para nossa juventude nessas áreas criativas e ajudaria decisivamente a alterar esse mosaico de desigualdade histórico em que vivemos.

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Nosso país é totalmente vocacionado para a economia criativa e para estratégias contemporâneas de desenvolvimento. Observar esse descompasso nas políticas de formação é muito triste. São gerações de oportunidades perdidas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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