Grandes festivais são importantes, mas evidenciam abismo de acesso cultural

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O Lollapalooza abriu no último final de semana a temporada de grandes festivais de música de 2025. Mais uma vez, o festival com sua produção caprichada conseguiu se manter como um grande indutor de grandes artistas, marcas patrocinadoras e giro econômico para São Paulo.
Mas ao mesmo tempo em que mega eventos desse tipo são importantes para as cidades que o recebem e para os artistas escalados, eles também — infelizmente — evidenciam todos os anos o abismo do acesso à cultura em nosso país, onde pouquíssimos tem muitas ofertas e uma vida repleta de incríveis atividades culturais; e a grande maioria não tem acesso a quase nada.
O poder público deixa muito a desejar em relação a oferta cultural. Os projetos de democratização do acesso à cultura sempre dizem respeito à construção ou reforma de equipamentos culturais com pouca capacidade diante da gigantesca demanda, e a velocidade desses investimentos não acompanham os desejos da população.
Além disso, os grandes eventos públicos e gratuitos, vêm sofrendo um sucateamento impressionante. Em São Paulo, a Virada Cultural que já foi o maior festival do Brasil, perdeu completamente sua relevância, e se transformou em uma coleção de poucos palcos cercados e com lotação limitada.
Jornada do Patrimônio, Festival Mário de Andrade, Mês do Hip Hop, Mês da Consciência Negra, Abril pra Dança, Arraial de São Paulo, SP na Rua, Semana do Rock, que lotavam as ruas da cidade, sumiram ou ficaram quase invisíveis.
Outros eventos do tipo pelo país seguem essa linha. Mesmo nas mais tradicionais festas populares, como o Carnaval e os festejos juninos, observamos muitos problemas como pouco apoio financeiro para blocos e quadrilhas juninas, restrições de horários, mudanças de trajetos e ataques às tradições.
Também não existe qualquer debate sobre contrapartidas culturais que os grandes festivais e eventos privados poderiam gerar. Shows com artistas escalados para os festivais, palestras, debates, oficinas. Uma qualidade impressionante de conteúdo que poderia ser revertida para as cidades de alguma forma.
Seria uma relação "ganha-ganha", a partir de uma nova mentalidade em busca da geração de oportunidades tanto para a população, como para os próprios grandes eventos e seus patrocinadores.
Outra questão que se coloca é, justamente, relacionada à imensa concentração de marcas patrocinadoras nesses eventos. Apenas um mega festival gera em receita de patrocinadores muito mais do que o investimento de prefeituras em suas políticas de ampliação e qualificação dos espaços culturais públicos.
Recentemente, uma nota na revista Veja anunciou que a cidade de São Paulo tem um plano de R$ 50 milhões para 15 equipamentos culturais públicos, verba que gira no estalar de dedos nas ativações de marcas desses grandes festivais. Se incluíssemos nessa conta eventos como o The Town e o Rock in Rio, campeões de patrocinadores, ouso dizer que daria para triplicar ou até quadruplicar esse valor.
Já existe um movimento importante de reflexão sobre como o mercado poderia diversificar seus investimentos em visibilidade das marcas, ajudando diferentes projetos culturais de forma mais capilar e descentralizada.
É um debate fundamental em um país com 130 mil CNPJs relacionados à economia criativa. Imaginem quantas casas de show, quadras de samba, teatros, quadrilhas, blocos, festivais de bairros, bailes funk, festas de peão, feiras culturais poderiam ser feitas com o preço de uma única tirolesa que funciona em três finais de semana na Cidade do Rock.
Na contramão dessa realidade excludente, algumas cidades dão exemplos muito positivos: o Rio de Janeiro acerta demais em promover os mega shows internacionais gratuitos na praia de Copacabana e enfatizar a vocação de cidade turística e cultural. E o Recife demonstra sensibilidade e estratégia ao ampliar de forma expressiva sua agenda cultural pública e gratuita.
No país da concentração de renda, onde apenas 140 mil pessoas mais abastadas, pagando um pouco mais de imposto de renda, beneficiariam 10 milhões de brasileiros com a isenção, cabe a reflexão sobre formas criativas e urgentes de enfrentarmos a dimensão cultural da terrível desigualdade social.
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