Três lições que o Botafogo deixa para quem estiver atento
O Botafogo fez o que ninguém poderia ter previsto e não apenas levou Libertadores e Brasileirão como desfilou em campo um tipo de jogo que a gente perdeu de vista: corajoso, solidário, ofensivo, criativo. O Flamengo de Jesus e o Fluminense de Diniz me encantaram pelo mesmo motivo, mas o Botafogo de Artur Jorge elevou a uma outra dimensão a potência do futebol alargando os efeitos das conquistas para além dos campos de futebol.
1. A primeira lição deixada pelo Botafogo de 2024 fala sobre resiliência. Essa capacidade tão humana de seguir e de se adaptar. O Botafogo, que em 2023 foi ao inferno, um inferno que até então a torcida desconhecia. Começou 2024 cheio de cicatrizes ainda abertas. Fez um Carioca bastante ruim e se mostrou ainda fragilizado. Nada indicava que ele poderia se reencontrar tão rapidamente. Mas o futebol e a vida ensinam sobre nossa capacidade de se levantar e seguir, a despeito da dor, desde que haja amor, paixão, fogo para arder. Não é sobre vencer, é sobre cair e se levantar.
2. A segunda lição fala sobre a capacidade de nos apropriarmos de nossas cicatrizes. Por mais que elas sejam profundas e traumáticas, elas são nossas e contam a história de nossas vidas. Será que vencer em 2023 teria provocado esse tipo de êxtase? As palavras de Marlon Freitas depois da conquista do Brasileirão deixam claro que as cicatrizes estão ali, e não há nada de errado com isso desde que saibamos honrá-las. Vale para elenco e para torcida. Vale para botafoguenses e para os demais. Vale para quem ama futebol e para quem não está nem aí. Somos as histórias das nossas cicatrizes.
3. A terceira lição fala a respeito do futebol como circuito de afetos e não como um negócio. Muito se bajula o Botafogo pela SAF e por John Textor. Supostamente veem na SAF a organização financeira das contas do clube. Não é o que contam os números. O Botafogo ainda deve, e deve muito. E a holding de Textor opera com um rombo de três bilhões de reais hoje. Por que criticamos tanto o Corinthians e seu caos administrativo e não falamos do Botafogo? Acho que é importante notar o efeito do Botafogo sobre Textor. Um efeito que podia ser notado antes mesmo do clube levantar troféus. Textor está, desde que chegou, se apaixonando pelo time, pela massa, pela experiência de torcer. Ele não se encantou com a vitória. Ele se encantou com os afetos que estavam em circulação. E seria importante não perder isso de vista.
O futebol não é um negócio. O futebol é uma usina de amor radical como nenhuma outra. Ele tem a capacidade de nos transformar. Ele atua sobre a forma como sentimos, como nos emocionamos, como nos relacionamos. É coisa demais em jogo e se John Textor for capaz de se deixar levar por essa consciência poderá liderar uma revolução. Não a revolução que ele vexatoriamente quis pegar para ele em 2023: contra a corrupção no futebol. Esquece isso, John. Esse país está cansado de falsos líderes que nomeiam falsas batalhas para realizar falsas revoluções aplicando a lógica de Lampedusa: mudar tudo para que as coisas sigam como sempre foram. Estou falando de uma revolução real, da mais necessária delas. Estou falando de uma revolução nos afetos. O gringo vai ser capaz?
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