Neymar, duendes, fadas e unicórnios

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O noticiário desde a cidade de Santos divulga que Neymar treina 12 horas por dia para poder voltar a campo o mais rapidamente possível. Festas, eventos e baladas não estão no horizonte do craque dessa vez. Amigos dizem sentir a falta dele na Kings League, mas correm para avisar que entendem a ausência e repetem que o cara está treinando 12 horas por dia. Doze horas por dia dedicadas à recuperação - o mantra ecoado maniacamente à imprensa agora é esse.
O Santos atuou de forma absolutamente lastimável em Porto Alegre contra o Grêmio, mas a diretoria avaliou que a comissão técnica de Tite, recém-contratada, acertou demais ao barrar os medalhões. O time santista, além de não conseguir articular nada em campo, perdeu a partida. E ainda assim o diagnóstico é: Cleber Xavier mandou bem. Tá tudo certo por aqui, pessoal.
Os ventos da agenda positiva sopram forte lá do Gonzaga.
Não existe materialidade histórica que nos leve a acreditar que Neymar estaria treinando 12 horas por dia. Nem Cristiano Ronaldo faria isso, imaginem Neymar, que nunca fez. Fomos de um extremo - Neymar machucado sambado na Sapucaí - para o outro - Neymar levando vida de atleta budista e dedicando literalmente metade do dia a treinos.
Não existe meio-termo, não existe compromisso com algum tipo de espaço para o crível. Tudo o que há é agenda positiva, estratégia de marketing e exagero.
Da mesma forma que era improvável que Neymar voltasse ao Brasil arrebentando, dado o passado recente de seu futebol, é improvável que ele esteja entregue nesses termos desmedidos às tarefas de recuperação. Mas tudo é imagem e publicidade e criação de narrativas. A da vez é: "Neymar nunca treinou tanto na vida". Palmas para o guerreiro. Como lembrou meu colega Casagrande em coluna recente, nem Pedro e nem Hulk, que se esforçaram grandiosa e silenciosamente para voltarem em tempo curto aos campos, mereceram esse tipo de carinho midiático com seus tratamentos de recuperação.
O lançamento de um podcast bombástico - que tentou ser interditado por Neymar pai - conta, com detalhes inéditos, a real - e pouco charmosa - história da ascensão de Neymar e Neymar Jr. A opinião pública mudou de lado depois de delirar com a recepção nababesca oferecida ao craque por ocasião da volta ao Brasil, e até o torcedor mais apaixonado já desconfia da vontade de Neymar de dar a volta por cima com a camisa do Santos. Então dá-lhe agenda positiva e planejamento estratégico de recuperação de imagem.
Crença é espaço impenetrável e não há como duelar com quem acredita em fadas, duendes e unicórnios. Tudo o que podemos fazer é recuperar historicamente dados e fatos para tentar compreender como chegamos até aqui. Ninguém precisaria dedicar 12 horas do dia à recuperação alguma. Descanso e relaxamento fazem parte de qualquer jornada de volta por cima. Equilíbrio, foco, respeito ao processo e entrega. Se Neymar tivesse agido assim quando rompeu os ligamentos do joelho nada disso estaria acontecendo e ele provavelmente ainda jogaria na Europa. Dedicação máxima e absolutamente inédita à recuperação? Pode ser que sim. Nem que seja pela vontade de calar críticos; qualquer motivo é motivo justo para uma volta por cima. Antes tarde do que nunca, verdade. Mas nada na história recente faz a gente acreditar que a narrativa criada pela equipe de Neymar para essa recuperação seja verdadeira.
Quem está acompanhando o podcast do UOL Prime sobre Neymar entende que, desde o dia um, a idolatria está sendo fabricada. Não existe nada de natural na forma como Neymar foi, assim como uma mercadoria, colocado no mercado. Tudo é pensando e planejado nos detalhes. Escutar o podcast é ficar com a certeza de que Neymar pai é melhor empresário do que o filho é jogador. E todos sabemos que Neymar Jr. foi um dos melhores que já tivemos.
Algumas coisas ligadas à vida privada do craque iam dando errado - já que Neymar é uma pessoa e não um produto - mas nunca deixou de existir por parte da empresa Neymar um novo plano estratégico de reposicionamento de marca. Teria sido menos cruel que Neymar pudesse exercer seus direitos de meter os pés pelas mãos e se apresentar como um ídolo falho, um ser humano afinal. Mas ele nunca teve essa chance. Virou projeto de Power Point desde que revelou seu superpoder para jogar bola, ainda adolescente. Seu incrível talento foi justamente o que o transformou nessa figura estranha, pouco natural, bastante artificial e que se recusa a amadurecer. Neymar é jovem e pode se transformar. Mas para isso teria que cortar o cordão umbilical que o liga ao pai; e isso ele dificilmente fará.
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