Um aspecto pouco comentado da genialidade de Abel Ferreira

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Quando, em 2023, Abel Ferreira não mexeu no Palmeiras que levava um baile do Botafogo no Nilton Santos durante o segundo turno do Brasileirão, muitos o chamaram de louco. O time desceu para o intervalo perdendo de 3 a 0 e sendo humilhado por um Botafogo eletrizante que poderia ter marcado cinco ou seis gols em 45 minutos. Para surpresa de todos, o time do Palmeiras que voltou do vestiário era o mesmo que levava o baile. Maluco. Inconsequente. Burro.
O resultado todos sabem: 3 a 4. O time de Abel fez 4 gols e virou o jogo em desempenho histórico e heroico. Semanas depois, seria campeão brasileiro.
Que treinador teria deixado de fazer mudanças no time durante o intervalo? Nenhum. Mas Abel sabe o grupo que tem nas mãos e sabe entrar na cabeça deles. Abel segura jogadores até que tenham assimilado o seu Palmeiras e os seus métodos em campo. Foi assim com dezenas deles. De talentos da base a talentos que vêm da Europa. Não entendeu o Palmeiras de Abel? Não joga. Vamos trabalhar até ficar no jeito. Mental, técnico, físico e tático.
Pensemos em Giay e tudo fica entendido. De besta a bestial passando pela escola Abel de formar atletas.
Na partida fora de casa contra o Cerro pela Libertadores, no dia 7 de maio, vimos Vitor Roque perder um gol ainda no primeiro tempo que garotos e garotas do sub-15 não perderiam. Constrangedor. Intervalo. Tirar Vitor Roque parecia razoável. Além de não ter jogado bem, ofendeu geral perdendo gol feito. Abel não tirou.
Vitor Roque voltou evidentemente sem confiança. Tropeçava na bola, no campo, no vento. Abel, meu dengo, tira o cara. Tá feio. Abel não tirava. E então, nos minutos finais, Roque faz seu gol. Um gol teimoso, insistente, resiliente. Gol de entrega, de força e de recomeço. Dois a zero Palmeiras. Líder da Libertadores e do Brasileirão.
Tirar Vitor Roque teria afagado a ira da torcida que já o defenestrava. Mas teria também comprometido a segurança do jovem jogador. Deixá-lo era um sinal de confiança e respeito. E Roque retribuiu. Será que esse é o lance que vai resgatá-lo? Eu apostaria que sim.
Abel entende muito de bola, mas talvez entenda mais de pessoas e de formação de elencos. No time dele não existem estrelas, ninguém se destaca. Ele não esconde a preocupação em evitar elogios a fim de que o miúdo não "se ache". É uma de suas tarefas primordiais me parece: construir a envergadura, a couraça moral do caráter de um homem dentro de campo.
Abel é um chato que, por vezes, sabe ser muito grosseiro e deselegante. Mas, dentro dessa chatice, existe método: é o "nós contra eles". Esse "nós" é bastante coisa. É um clã. Uma sociedade. Um clube. Nem todos cabem ali, mas quem entrou deve seguir regras de lealdade, entrega, respeito, solidariedade. Não por ele ou sua comissão, mas pelos valores da instituição. A chatice de Abel é reservada a nós, os civis. Os excluídos desse agrupamento. Os que não pertencem.
Ao agir assim, Abel se conecta a um dos valores mais caros para o palmeirense e a palmeirense: a ideia de ser uma torcida de colônia, um grupo de excluídos que se une para ser mais forte em busca de pertencimento. Um agrupamento fechado que olha para cada um dos seus sabendo que existe ali um exército capaz de lutar e morrer pela sobrevivência do símbolo.
Para os "de dentro", Abel reserva amor e retribui respeito. Ele não se importa nem um pouco com a fama de chato. Dane-se. Ele precisa dessa divisão para formar o clã. Confiança é via de mão dupla, e Abel exige de volta o que dá em abundância. Seriam Estevão e Endrick os craques que são sem terem passado pela sociedade Abel? Tendo a achar que não. Abel conseguiria fazer isso na seleção? Posso apostar que dificilmente. Para exercer seus métodos é necessário grupo fechado, uma presidente que confie em você e te deixe trabalhar. E isso, na CBF, ele jamais teria.
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