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Decisão da Justiça sobre transferência assusta Fifa: novo 'Caso Bosman?'

Uma notícia que repercutiu (surpreendentemente) pouco na imprensa brasileira, mas que assustou a Fifa e pode revolucionar as transferências no futebol, precisa ser analisada com atenção. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu neste mês que uma das regras de transferências da FIFA viola a legislação europeia e não pode ser aplicada.

Para entender, o Tribunal decidiu que uma regra de transferência de jogadores de futebol vai contra as leis da União Europeia, atingindo os princípios de livre circulação de trabalhadores, assim como o da livre concorrência.

As normas sobre transferência de jogadores da Fifa (RSTP, na sigla em inglês) - mais precisamente o art 17 - dizem que um jogador que termina um contrato antes do prazo "sem justa causa" é responsável por pagar uma compensação ao clube e, quando o jogador se junta a um novo clube, eles serão conjuntamente responsáveis pelo pagamento da compensação. Caso não exista o pagamento estipulado, não será permitido pelo sistema do futebol o registro em outro clube.

Essa regra foi um caminho encontrado pelo sistema do futebol de proteger contratos e garantir uma compensação econômica em caso de rescisão depois da decisão do Caso Bosman, que acabou com a Lei do Passe no futebol. Aqui, explicamos o Caso Bosman em detalhes.

Em 1995, foi aprovada a lei que deixava os jogadores livres para assinar com qualquer clube ao final de seu contrato. Até então, os atletas tinham ligação com seus times mesmo com o término do contrato e as negociações eram exclusivas entre os clubes.

Analisando o caso do ex-jogador Lassana Diarra, o Tribunal afirmou que essas disposições são ilegais, e que espera que a decisão leve a Fifa a reformar a regulamentação de transferência. Ou seja, a FIFA não pode deixar de registrar o contrato de um atleta com outro clube por conta dessa regra.

Essa decisão desconstrói o conceito de clube indutor, onde havia presunção de que um terceiro clube teria estimulado uma quebra contratual do atleta com o clube anterior, colocando, o atleta e o novo clube como responsáveis solidários ao pagamento ao ex-clube que teria quebrado o contrato sem justa causa.

Diz a decisão, entre outros tópicos:

  1. As regras em questão impedem a livre circulação de jogadores de futebol profissionais que desejam desenvolver sua atividade indo trabalhar para um novo clube....
  2. Essas regras impõem riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como riscos esportivos importantes para esses jogadores e clubes que desejam empregá-los, que, juntos, são tais que impedem as transferências internacionais desses jogadores.
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Importante, a decisão também traz que outros jogadores afetados pelas regulamentações da Fifa que agridam esses princípios também podem ser indenizados.

Claro que a decisão do TJUE tem força entre as partes litigantes e que o Tribunal detém jurisdição apenas sobre os países integrantes da União Europeia. Mas ela pode abrir precedente no Tribunal e ir além, requerer ao Conselho Europeu e demais órgãos da UE que o julgado se imponha a casos análogos.

O "caso Lassana Diarra"

Em 2014, Lassana Diarra, ex-volante do Real Madrid, Chelsea e PSG, teve seu contrato rescindido pelo Lokomotiv Moscou, da Rússia, quando ainda tinha mais um ano de vínculo. O jogador não reconheceu a rescisão, mas, mesmo assim, foi condenado a pagar uma indenização.

O Lokomotiv afirmou que Diarra não cumpriu seu contrato e exigia 20 milhões de euros (R$ 124 milhões) perante a Câmara de Resolução de Disputas (DRC) da FIFA e a Corte Arbitral do Esporte (CAS).

A Câmara de Resolução de Disputas da FIFA condenou Diarra a pagar 10,5 milhões de euros ao Lokomotiv. Após a decisão, o ex-jogador recorreu ao TJUE.

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Por conta dessa briga jurídica com o clube russo, Diarra ficou um ano longe dos gramados. O ex-jogador alegou que a situação prejudicou sua carreira, uma vez que possíveis equipes interessadas se afastaram de um acerto com o francês por causa da indenização devida ao Lokomotiv Moscou, conforme previsão no RSTP.

Impactos

A decisão do Tribunal Europeu é importantíssima e pode - sim - fazer com que a Fifa reveja suas regras. Muita gente me perguntou se essa decisão poderia ter o impacto da decisão do Caso Bosman - que escrevi aqui. A resposta é, ainda não dá para saber, mas o caso vai gerar muita discussão"

A imunidade da Fifa está sendo questionada e a governança da FIFA precisará refletir e agir. A decisão mexe com o sistema de transferência enraizado do futebol, afetando a transferência de atletas e diretamente o mecanismo de sanção da Fifa.

Mesmo que a Fifa não confirme essa apreensão abertamente, garantindo que os princípios-chave do sistema de transferências foram protegidos na decisão e que apenas alguns parágrafos do Regulamento foram questionados pelo Tribunal Europeu, ela esta apreensiva.

A verdade é que essas irritações - que aparecem também depois de decisões judiciais - têm provocado mudanças e melhoria no sistema interno do futebol. A manifestação coletiva de atletas tem um peso importante nisso.

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David Terrier, presidente da FIFPro Europa (entidade que congrega atletas profissionais), disse que estava feliz por Diarra, mas que ele não era a única vítima.

"A realidade é que vamos ver como reparar o dano para todos os jogadores que foram vítimas do sistema de transferências", disse Terrier à Reuters.

A grande discussão agora é, que impacto isso pode trazer?

A decisão pode desencadear um efeito dominó, aumentando assédio de clubes sobre jogadores e determinando um maior número de rompimento contratual sem justa causa.

Isso afetaria a estabilidade contratual e a economia dos clubes, já que a decisão poderia resultar em taxas de transferência reduzidas e mais poder econômico para os jogadores.

E agora?

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A Fifa precisa encontrar um caminho - assim como fez depois do Caso Bosman - para proteger a economia dos clubes em equilíbrio com direitos garantidos dos trabalhadores da bola.

Todos os clubes podem ser afetados. Os clubes menores dependem de taxas de transferência para talentos que desenvolveram, e os grandes que ainda têm nessa compensação um ganho econômico, além de uma garantia da estabilidade contratual e do planejamento técnico.

É importante que se encontre um caminho em que o contrato de trabalho dos atletas respeite o direito humano fundamental do jogador de trabalhar, protegendo também a estabilidade contratual e a economia do futebol.

Agora, é esperar para ver se a decisão firmará jurisprudência e entender o que a Fifa irá fazer para que essa decisão não venha a ter um efeito cascata.

Só depois disso, se saberá se estamos mesmo diante de um novo Caso Bosman, que também mereceria um nome próprio, o "Caso Diarra".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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