Opinião

Quem vai construir a cidade que queremos?

Recentemente São Paulo passou por calorosas discussões em torno da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), importante lei que pensa e molda toda a cidade, pactua os territórios que devem ser desenvolvidos, incentiva habitação social, o uso de transporte público e a ocupação do centro, por exemplo. Para além da lei, nós precisamos discutir quem são os responsáveis pela aplicação dela: o mercado imobiliário.

Em 2014 aprovamos o Plano Diretor atual, que passou por revisão mas até a próxima gestão permanece vigente. Ele foi premiado internacionalmente e trouxe inovações como o incentivo à fachada ativa, o que quer dizer dar uso ao térreo do prédio para comércios ou serviços que beneficiem o bairro, afinal, quem não quer morar num lugar que fica a 5 minutos de distância a pé de todos os comércios e serviços que precisamos? Infelizmente ela foi pouco aplicada.

Queremos viver numa cidade caminhável, saudável, que priorize pedestres, tenha espaços públicos de qualidade, incentive misturas de usos e públicos, uma cidade compacta que seja economicamente ativa e mais sustentável. Estamos construindo cidades cada vez mais rápido - a demanda aumenta cada dia mais e cerca de 85% da população brasileira hoje vive em cidades. Mas como essa construção está sendo feita?

Trabalhei bons anos no mercado de incorporação, mas sentia que a construção das cidades - que é parte intrínseca da construção de cada empreendimento - era feita apenas através das planilhas. Mesmo desconectado da visão ampla de cidade, o mercado imobiliário vai sempre influenciar o Plano Diretor e as leis que regem a sua construção. Está na hora de investirmos mais tempo influenciando o mercado imobiliário, pois bons exemplos ainda são exceção. Neste artigo eu trago alguns, empresas que prometem incluir fatores como "cidades" e "sustentabilidade" na conta do excel.

IdeaZarvos foi uma das primeiras que buscou construir empreendimentos que fossem gentis com a cidade, sem muros, com comércio no térreo, e, apesar de acessíveis para uma parcela muito restrita da população (o metro quadrado chega a custar mais de R$ 20 mil), é indiscutível que seus imóveis "sobem a barra" da qualidade arquitetônica dos bairros onde estão.

A valorização da arquitetura, integração com o bairro e investimento em gentilezas urbanas também se repete com os incorporadores mineiros da Casa Mirador, os gaúchos da Smart e os pernambucanos Haut. Ativar as ruas é princípio básico de segurança, "os olhos da rua", como dizia Jane Jacob, é garantir a cidade como lugar de encontro, encontro leva a troca, aprendizado, crescimento e felicidade - sim, situações urbanas podem estimular a nossa produção de serotonina e dopamina, ou de cortisona.

Mas é muito importante perguntarmos: "Cidades para quem?". Garantir bons projetos não é o suficiente. Eles precisam estar acessíveis para 99% da população. Precisamos garantir qualidade de cidade para todos, isso é direito à cidade.

Por isso no topo da lista dos bons exemplos temos a Magik JC, incorporadora e empresa B certificada que constrói junto com arquitetos premiados como Isay Weinfeld, Andrade Morettin e MMBB empreendimentos no centro da cidade dentro do programa Minha Casa Minha Vida. Algo inédito.

A boa produção de cidades, em especial habitação de interesse social, é também responsabilidade do poder público, com um pouco de boa vontade - e boa gestão -, como o condomínio Vitória, em Heliópolis, que se destaca pela qualidade do projeto arquitetônico, do escritório Biselli + Katchborian.

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Construir estes lugares passa também por reformar antigos prédios nos centros urbanos (o chamado retrofit) - no centro da capital paulistana temos mais de 80 prédio totalmente sem uso - como o trabalho da SomaUma; estimular a locação social para baixa renda, como faz o Fundo Fica e o projeto SOMA, pois garantem acesso e inclusão.

Além da preocupação da nossa relação com a cidade, a preocupação com o meio ambiente está cada vez mais forte. Segundo a ONU, a construção civil é responsável por cerca de 38% da emissão de carbono. Isso acontece por causa dos materiais utilizados, que são objeto cada dia mais de pesquisa e inovação.

Arranha-céus em madeira com mais de 30 andares já são uma realidade na Europa. No Brasil, os prédios ainda são tímidos, 3 andares, mas essa pauta está sendo conduzida pela curitibana TecVerde, a Urbem e a Noah. A própria ONU investe em divulgar a colombiana Conceptos Plásticos, iniciativa incrível que transforma resíduos plásticos em tijolos.

A incorporadora goiana New Inc - Nature, Economy and We - primeira empresa a obter a certificação do Sistema B no ramo, é preocupada com a sustentabilidade e o desperdício de material nos seus canteiros e ficou conhecida por criar a maior horta em condomínio do país. A paranaense Altma também segue na linha sustentável e lançou o primeiro empreendimento carbono zero, que irá calcular e reverter as emissões na "adoção" de uma reserva de 5 hectares Mata Atlântica.

O privilégio de pensar uma cidade a partir de uma área vazia é para poucos. Normalmente tem-se apenas a capacidade de incluir um bom comércio no térreo ali, uma horta lá, calçadas generosas aqui, inclusão de públicos mistos, coisas que não fazem uma grande diferença. A Pedra Branca, em Santa Catarina, teve esse privilégio de pensar praticamente uma nova cidade. O empreendimento era uma fazenda, mas hoje abriga a Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina) e tem mais de 5.000 moradores, além de 5.500 empregos. É o único projeto no Programa Clima Positivo da Fundação Clinton, um pacto de criar empreendimentos que capturam mais carbono do que emitem, além de reutilizar água e resíduos e transformar em energia.

Bons exemplos existem, mas eles representam hoje menos de 2% da produção imobiliária do nosso Brasil. Espero que esse texto ressoe como um chamado para que mais empreendedores utilizem essa ferramenta para construir de forma consciente cidades mais inclusivas, diversas, acolhedoras, sustentáveis, vivas e felizes.

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* Duda Alcantara é arquiteta urbanista, pós graduada em economia urbana e gestão pública, presidente do Instituto Vivenda, conselheira de habitação na Frente Parlamentar do Congresso Nacional pelos Centros Urbanos e professora da Faap.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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