Qual é o custo social e ambiental do desperdício de alimentos?
A insegurança alimentar é um desafio para a sociedade, em especial aos governantes. No entanto, encaramos com certa naturalidade o descarte de frutas e verduras nas proximidades de mercados ou feiras livres. A desatenção é ainda maior quando jogamos no lixo alimentos esquecidos na geladeira ou produtos que perderam o prazo de validade. O desperdício de alimentos afeta todas as etapas do ciclo de produção, da colheita, beneficiamento, estocagem, transporte, distribuição, embalagem até o consumo.
Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), cerca de 54% do desperdício de alimentos no mundo acontece nas fases da manipulação pós-colheita e armazenagem. Os outros 46% das perdas ficam nas etapas de processamento, distribuição e consumo. Em um mergulho mais profundo no tema, o relatório divulgado no ano passado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) revela que, em 2022, mais de um bilhão de refeições foram descartadas todos os dias, sendo que 783 milhões de pessoas enfrentam a fome e um terço da humanidade sofre com a insegurança alimentar.
Outro levantamento da ONU, coloca o Brasil na 10ª posição no ranking de países que mais desperdiçam comida, atrás da Rússia, Eslovênia, Áustria, África do Sul, Bélgica, Índia, Belize, Índia, Irlanda, Polônia e Estados Unidos. Um estudo elaborado pela MindMiners em parceria com a Nestlé, publicado em 2023, identificou que cada brasileiro, todos os anos, joga fora cerca de 60 quilos de alimentos adequados para o consumo. A média global de descarte individual, segundo a PNUMA, é de 74 quilos de comida. E qual o impacto deste cenário para a conservação do meio ambiente? A FAO estima que o custo anual com prejuízos ambientais e sociais do desperdício de alimentos atinge US$ 700 bilhões e US$ 900 bilhões, respectivamente.
Segundo a pesquisadora Milza Moreira Lana, especialista em pós-colheita da Embrapa, o resultado das perdas obedece a uma lógica natural: "quanto mais alimento é jogado no lixo, mais alimento precisa ser produzido para repor aquele que foi posto fora".
Junto com a comida, temos a perda de elementos como água, terras agricultáveis e demais insumos usados no processo de produção, além das consequências negativas na geração de gases de efeito estufa.
A agricultura tem um impacto ambiental significativo: requer grandes quantidades de água doce, o que pode causar pressões ambientais significativas em regiões com ou sob estresse hídrico e polui rios, lagos e oceano ao liberar nutrientes. É responsável por cerca de um quarto das emissões mundiais de gases com efeito de estufa e metade das terras habitáveis do mundo é usada para agricultura. Grandes áreas do planeta antes cobertas por florestas e terras selvagens são agora usadas para a agricultura, pecuária e plantio florestal em larga escala. A perda de habitats é a principal responsável pela redução da biodiversidade mundial.
É preciso apontar saídas para minimizar o desperdício de alimento, considerado pelos especialistas um dos principais responsáveis pelas alterações climáticas, contribuindo com a emissão de 8% a 10% dos gases de efeito estufa, segundo dados da FAO. Algumas alternativas são fundamentadas em Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como a integração lavoura-pecuária e silvicultura, sistemas de agricultura regenerativa e a restauração de ecossistemas que podem conter em mais de um terço os efeitos adversos das alterações do clima, segundo parecer da professora Marlén Sánchez, integrante do Observatório La Rábida de Desenvolvimento Sustentável.
Sistemas de agricultura regenerativa, por exemplo, representam soluções sustentáveis ao combinar o aumento da produção de alimentos com manejo dos recursos que minimizam os efeitos das mudanças climáticas. São atividades que envolvem, entre outros benefícios, a conservação e a adoção de sistema de plantio sem revolvimento do solo, a manutenção das florestas e outras formas de vegetação nativa e integração com a produção animal, diminuindo os custos operacionais e estimulando a rentabilidade e os diferenciais competitivos.
O revolvimento do solo, prática ainda comum na agricultura convencional, deve ser evitado porque modifica a camada superior antes do plantio, provoca a liberação de mais gases de efeito estufa e pode deteriorar propriedades químicas e biológicas do solo, causando degradação e erosão. Outros cuidados, como a preservação da cobertura vegetal, rotação de culturas e plantio de árvores, ajudam na captura de carbono da atmosfera e na melhoria das condições dos solos. O solo saudável retém mais água, tornando as culturas mais resistentes à seca e às inundações.
A conservação da natureza e iniciativas que evitem o desperdício de alimentos são conceitos que podem e devem andar juntos em programas estruturados e nas atitudes individuais do consumidor. É amplamente reconhecido na literatura acadêmica que minimizar o desperdício alimentar em casa é a melhor forma de reduzir o impacto ambiental da produção de alimentos.
Em nosso cotidiano, a responsabilidade para evitar o descarte de comida não é menor. São condutas simples que fazem a diferença, como planejar as compras, evitar os exageros, conter os impulsos, verificar as datas de validade, privilegiar o comércio local e guardar os alimentos em espaços adequados. Os alimentos orgânicos apresentam maior durabilidade e sua produção fundamenta-se na conservação dos solos e recursos naturais. Na hora de cozinhar, abuse da imaginação, aproveite as sobras para preparar receitas novas, criativas e mais nutritivas. E, se puder, faça a compostagem dos resíduos orgânicos!
Garantir que todos tenham acesso a uma dieta nutritiva de forma sustentável é um dos desafios mais significativos que enfrentamos. As mudanças em nossos hábitos podem fazer grande diferença na proteção dos recursos naturais e na redução da insegurança alimentar e dos impactos climáticos. A conscientização, desde lideranças de grandes empresas aos consumidores individuais, é essencial para que o amanhã se torne mais sustentável.
*Juliana Baladelli Ribeiro é gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário e especialistas em Soluções Baseadas na Natureza; Carlos Hugo Rocha é engenheiro agrônomo, professor adjunto da Universidade Estadual de Ponta Grossa e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)
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