Eduardo Carvalho

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Opinião

Antonio Cicero: quando o coração luta pela dignidade

Dentre muitas decisões, a de escolher quando o coração deve parar, definitivamente está longe de ser uma mera opção. Mas quando alguém põe a atitude em prática, como fez o poeta e compositor Antonio Cicero, ajuda a desmistificar o tema e a colocá-lo na roda.

Em sua carta de despedida, comovente, o imortal da Academia Brasileira de Letras foi simples e direto: escolheu pela não continuidade de vida em que perderia não só as memórias dos seus, mas sobretudo, de si. Submetido a remédios e tratamentos que também, aos poucos, significariam uma espécie de morte. Algo que, na maioria dos casos, violenta não somente quem está enfermo, como todos à volta. "Ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação'', traz um dos trechos da despedida.

Cicero fez um procedimento de morte assistida na Suíça nesta quarta-feira (23). A legislação do país permite a prática, chamada por alguns de "boa morte", com uma condição: não ser feita por razões "egoístas". Segundo a "Swissinfo", suicídios assistidos são cerca de 1,5% das 67 mil mortes registradas em média no país a cada ano.

Na América Latina, só a Colômbia apresenta leis que permitem tanto o suicídio assistido como a eutanásia. Já, no Brasil, a decisão é vista como um 'homicídio privilegiado'.

Muitos são no Brasil os que, neste momento, enfrentam doenças graves e poderiam ter esse direito, com aparato médico, sem serem expostos a uma situação de vulnerabilidade ainda maior em uma luta inglória contra uma indústria que tem como fim a ampliação de suas cifras. Cicero tomou a decisão tendo acesso aos melhores tratamentos e profissionais para enfrentar o Alzheimer, além da opção de escolher a eutanásia.

Aliás, para avançar na área da saúde, o Brasil poderia introduzir discussões sobre o tema. E fazer isso com destaque no SUS (Sistema Único de Saúde), garantindo que pessoas de baixa renda também tenham acesso, sem serem excluídas por falta de recursos financeiros.

Hoje, para além do legado em poesias, ensaios, obras e músicas que fazem parte do imaginário coletivo brasileiro, Antonio Cicero deixa um belo exemplo de quem seguiu, mesmo na hora da morte, pela dignidade, afirmando a vida. "Tenho consciência de que quem decide se vale a pena ou não sou eu mesmo".

Não haveria ato maior do viver senão esse.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

12 comentários

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Wellington Roberto Santiago

Meu caro Eduardo Carvalho, você acha mesmo que este país está minimamente apto  a lançar uma discussão dessa natureza em sociedade? Um Congresso reacionário tentando retroagir a legislação de aborto aos anos 1940, em vez de debater sua modernização e avanço, pautas sociais de relevância e projetos políticos cada vez mais influenciados por visões nada evangélicas, mas sim pelo que há de mais ignorante no Antigo Testamento bíblico, a defesa dos Direitos Humanos sendo cada vez mais e eficazmente distorcida como “defesa de bandidos”. Uma sociedade que “curiosamente” elege lideres quem querem determinar e limitar os direitos individuais de cada um em relação ao próprio corpo, especialmente ao das mulheres, mas que não se ruborizam em defender maior armamento ou a promover chacinas em comunidades em nome da “segurança pública” e da “vida”, claro. Estamos em condições dessa discussão?

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Jorge de Castro

NA SUIÇA (SEMPRE A SUIÇA, NA VANGUARDA} A LEGISLAÇÃO ADMITI O SAIR DA VIDA PELA PORTA DA FRENTE, COM DIGNIDADE.VALE LEMBRAR A DECISÃO DO PRESTIGIADO   DIRETOR DE CINEMA JEAN LUC GODARD ESCOLHEU O SUIC[IDIO ASSISTIDO PARA SAIR DA VIDA COM DIGNIDADE COM A JUSTIFICATIVA "ESTOU CANSADO". MUITO DIGNO!

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Leonete Ribamar Guimarães Ferreira

Que Deus o proteja e ampare. Deus disse que nenhuma de suas ovelhas se perderão.

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