O que você come pode estar sabotando a sua saúde mental

A relação entre alimentação e saúde mental tem ganhado cada vez mais destaque, especialmente com a descoberta do conceito de "segundo cérebro" atribuído ao intestino.

O órgão é habitado por cerca de 100 trilhões de microrganismos que formam a microbiota intestinal, desempenhando inclusive um papel crucial na produção de neurotransmissores. Além disso, nosso intestino possui mais de 500 milhões de neurônios, sendo o órgão com mais neurônios fora do cérebro.

Nesse contexto, a alimentação desempenha um papel crucial na modulação da química cerebral, justamente devido à sua influência direta na produção de neurotransmissores e na regulação de processos inflamatórios.

"O cérebro é altamente dependente de nutrientes específicos para sintetizar neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA, que regulam o humor, a ansiedade e o comportamento", explica Arthur H. Danila, médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

No caso da serotonina, o intestino chega a ser responsável por 90% da produção.

"Por exemplo, o triptofano, um aminoácido essencial obtido na dieta, é precursor da serotonina. Além disso, desequilíbrios na microbiota intestinal —frequentemente associados a dietas inadequadas— podem alterar a comunicação entre o intestino e o cérebro, impactando a saúde mental", pontua.

Nutrientes essenciais para prevenção e tratamento

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Imagem: Getty Images

A saúde mental é uma questão multifatorial e envolve a parte neuroquímica, comportamental e também alimentar. Quando se trata deste último aspecto, alguns nutrientes são de vital importância para a ansiedade e a depressão. São eles:

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Ácidos graxos ômega-3: Reduzem a inflamação e melhoram a fluidez das membranas neuronais, facilitando a transmissão sináptica. Além de melhorar a função cognitiva e emocional.

Triptofano: Precursor da serotonina, impacta diretamente o humor.

Magnésio: Atua na redução da hiperexcitabilidade neuronal, aliviando sintomas de ansiedade.

Vitamina B6: Atua como cofator na síntese de neurotransmissores cruciais, como serotonina e dopamina, que regulam o humor e o bem-estar emocional.

Vitamina B9 (ácido fólico) e B12: Essas vitaminas estão envolvidas no metabolismo da homocisteína, um aminoácido que, em níveis elevados, pode estar associado a maior risco de depressão, declínio cognitivo e doenças cardiovasculares.

Ferro e zinco: Essenciais para funções neurológicas e imunológicas.

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Vitamina D: ajuda a regular o sistema nervoso e o humor, e auxilia na modulação do cortisol, hormônio que ajuda a controlar o estresse.

Selênio: Um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, revelou que o nível de selênio no organismo —tanto alto quanto baixo— tem uma relação muito forte com a depressão e alterações de humor. Concentrações mais baixas do nutriente têm efeitos ainda mais negativos na saúde mental.

Vitamina C: está envolvida na formação de neurotransmissores, melhorando o aprendizado e a memória.

"Pessoas veganas precisam acompanhar especialmente a vitamina B12, porque essa vitamina essencialmente está presente na carne, e por isso muita gente acaba precisando até suplementar. Ela realmente tem um papel primordial na formação dos neurônios, na comunicação entre eles", alerta Júlio Pereira, neurocirurgião e médico pela UFBA.

Renata Oliveira, nutricionista da clínica Melhor Nutrir, em Salvador, e doutora em medicina e saúde humana, ressalta que estudos indicam uma estreita relação entre deficiências nutricionais e transtornos mentais, especialmente a depressão.

Uma revisão de estudos feita por pesquisadores do departamento de psiquiatria da Universidade de Tecnologia do Texas (EUA) reforça essa relação. A pesquisa aponta que a disbiose —desequilíbrio na microbiota intestinal—- e a inflamação no sistema nervoso central foram associadas como causas potenciais de doenças mentais.

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Saiba em quais alimentos apostar

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Imagem: iStock

Embora alimentos ricos em nutrientes essenciais possam ajudar na prevenção de transtornos mentais como depressão e ansiedade, Danila faz uma ressalva: nenhum alimento isoladamente pode ser considerado "milagroso" ou capaz de resolver todas as carências nutricionais.

"A regularidade e a combinação de nutrientes —e não a ingestão pontual de determinados alimentos— são o que realmente contribui para um cérebro saudável e uma mente equilibrada. Portanto, a ênfase está no equilíbrio geral, e não em soluções pontuais ou simplistas", alerta o psiquiatra.

Alguns exemplos de alimentos ricos em nutrientes essenciais incluem:

Peixes gordurosos (como salmão e sardinha): Ricos em ômega-3 e vitamina D.

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Nozes e sementes (como chia e linhaça): Fontes de ácidos graxos e magnésio.

Castanha-do-pará: Rica em selênio.

Vegetais verdes-escuros (como espinafre e couve): Ricos em magnésio, vitamina C e vitaminas do complexo B.

Leguminosas (como lentilha e grão-de-bico): Fontes de triptofano e ferro.

Frutas cítricas e frutas vermelhas: Ricas em antioxidantes, como vitamina C.

Carnes, ovo, leite e seus derivados: Fontes de Vitamina B12

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Probióticos (como iogurte natural e kefir): modulam positivamente a microbiota intestinal, garantindo menores taxas inflamatórias e um funcionamento intestinal mais saudável. Algumas cepas de probióticos já são pesquisadas com efeitos positivos em depressão e ansiedade, sendo considerados "psicobióticos".

Alimentos ultraprocessados podem afetar a saúde mental

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Imagem: Adobe Stock

Dietas ricas em alimentos ultraprocessados, como fast food, refrigerantes, biscoito recheado, snacks industrializados e embutidos, como linguiças, salsichas e similares, estão associadas a maior risco de depressão e ansiedade devido a:

Déficit de nutrientes essenciais: Esses alimentos são considerados, de maneira geral, fontes de "calorias vazias", fornecendo energia sob a forma de gorduras saturadas, açúcares refinados e carboidratos simples, que apresentam baixa quantidade de nutrientes essenciais, como fitonutrientes, vitaminas, minerais e antioxidantes necessários para a saúde cerebral.

"A ausência desses compostos compromete a plasticidade neuronal e a produção de neurotransmissores como serotonina e dopamina, e aumenta a vulnerabilidade do cérebro a processos inflamatórios e ao estresse oxidativo", sinaliza o psiquiatra Arthur H. Danila.

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Aumento da inflamação crônica por impacto na microbiota intestinal: Conservantes e adoçantes artificiais prejudicam o equilíbrio do microbioma, reduzindo a diversidade de bactérias benéficas e favorecendo o crescimento de microrganismos prejudiciais.

Danila explica que esse desequilíbrio, agravado por ingredientes ultraprocessados como gorduras trans, excesso de açúcar e aditivos, aumentam os marcadores inflamatórios, por levar ao aumento da permeabilidade intestinal, um quadro conhecido como síndrome do intestino permeável.

"Nesse estado, a barreira intestinal torna-se menos eficiente, permitindo que moléculas inflamatórias e toxinas entrem na corrente sanguínea. Isso ativa respostas inflamatórias sistêmicas que têm sido associadas ao agravamento de condições como depressão e ansiedade", comenta.

Além disso, o desequilíbrio no microbioma intestinal compromete a produção de neurotransmissores (como serotonina e GABA) e ácidos graxos de cadeia curta, essenciais para o funcionamento saudável do cérebro. Assim, o consumo frequente de alimentos ultraprocessados não apenas priva o corpo de nutrientes essenciais, mas também contribui ativamente para processos inflamatórios e transtornos psiquiátricos.

"As consequências que esses alimentos trazem, como obesidade, dislipidemia, diabetes e pressão alta, também vão prejudicar a saúde mental", complementa o neurocirurgião Júlio Pereira.

Cuidado com açúcar, cafeína e álcool

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Imagem: Getty Images/iStockphoto
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Para quem já vive processos de ansiedade e depressão, alguns alimentos podem agravar os sintomas. Além dos ultraprocessados como já explicado anteriormente, temos o excesso de açúcar, cafeína (café, chocolate, energéticos, chá verde e outros) e o álcool.

Açúcares refinados: O consumo excessivo está associado a picos e quedas bruscas de glicose, proporcionando oscilações de humor e contribuindo para a inflamação sistêmica.

Cafeína: Em doses moderadas, pode melhorar o foco e a energia, mas em excesso exacerba a ansiedade, aumenta o cortisol e pode interferir no sono.

Bebidas alcoólicas: Podem desregular neurotransmissores e piorar sintomas depressivos.

Dieta complementa, mas não é o único caminho

Para pessoas que já sofrem de depressão e ansiedade, Danila ressalta que mudanças no padrão alimentar devem ser vistas como uma estratégia fundamental, mas complementar, não substituindo o tratamento psiquiátrico.

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"O manejo de transtornos mentais como depressão e ansiedade muitas vezes requer acompanhamento especializado, podendo incluir psicoterapia e, em alguns casos, medicação. A dieta é certamente uma aliada potente, mas não substitui as abordagens terapêuticas necessárias, avaliadas caso a caso", diz.

9 comentários

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Liliana Cinquini

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Elias Coelho Macedo

O problema maior é o consumo exagerado de açúcar e sal. No entanto, não adianta correr para os alimentos sem açúcar, pois esses alimentos têm muito adoçante o que faz tanto mal ou pior que o próprio açúcar. Ou seja, não tem para onde correr.

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Igal Flint

Por que não publica o meu comentário. Não tem espaço para mais um?

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