Lúcia Helena

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Reportagem

O que poderíamos fazer para diminuir pela metade os casos de demência?

Se você tivesse uma varinha mágica e pudesse acabar de uma vez por todas com a hipertensão, sabe o que aconteceria com os casos de Alzheimer e outras demências no país? Eles reduziriam em 7,6%. E se não houvesse um único brasileiro com perda de audição? Então, só com isso, teríamos 6,8% pessoas com demência a menos. Mais uma: e se, com a sua varinha, desse um fim na obesidade e na inatividade física no Brasil? Daí, a queda nos registros de demência seria de 5,6% e de 4,5%, respectivamente.

O cálculo é de um estudo interessantíssimo, conduzido pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e publicado na prestigiada revista The Lancet Global Health. Ele avalia o peso de doze fatores de risco para demência na América Latina que poderiam ser evitados para a cabeça envelhecer bem. Além do Brasil, os países envolvidos foram Argentina, Bolívia, Chile, Honduras, México e Peru.

Os pesquisadores consideraram não só a prevalência desses doze problemas, mas a relação entre eles. Por exemplo, quem tem obesidade corre um maior risco de desenvolver diabetes e as duas condições são capazes de prejudicar o cérebro. Mas, no final, fazendo contas complicadas, conseguiram separar um por um. Ou seja, entenderam como cada fator contribuiria para a demência por si só, independentemente de causar ou agravar outras coisas.

Se você somar o resultado de todos eles, verá que entre nós, latino-americanos, 54% dos casos de demência são atribuídos àquilo que poderia ser prevenido. E o que chama a atenção é que esse índice é bem maior que o de países de outras regiões do globo, em que a média de casos que desapareceriam do mapa se os tais doze fatores fossem eliminados fica em 40%.

Sem contar a pressão alta, a diminuição da audição, a falta de exercício e o excesso de peso, já mencionados, os cientistas falam de diabetes, tabagismo, depressão, consumo exagerado de bebida alcoólica, poluição do ar, traumas como batidas que causam lesões cerebrais, isolamento social e baixa escolaridade. Ah, a falta de escola explica muita coisa!

Ficar uns bons anos na sala de aula

A geriatra Claudia Suemoto, líder do estudo na USP, não se surpreende com esse número maior, de 54%. "A baixa escolaridade tem uma prevalência muito mais alta na América Latina", lamenta. De fato, isso conta muito.

É logo nos primeiros anos de vida, aprendendo o beabá e outras lições dos professores, que os neurônios cerebrais criam um número imenso de conexões, incrementando sua capacidade de raciocinar e memorizar. Isso forma uma reserva cognitiva que, anos adiante, dará certa margem de folga para as perdas inescapáveis do envelhecimento. Portanto, sem essa espécie de poupança criada na juventude, as demências podem chegar mais cedo e evoluir bem mais depressa na terceira idade.

"No estudo, a baixa escolaridade foi definida como passar menos de oito anos na escola", conta a pesquisadora. "Para ter ideia do quanto isso é comum, o tempo médio dos brasileiros acima de 60 em sala de aula é de cinco anos apenas. Entre 15% e 20% da população nessa faixa etária são de analfabetos. É lógico que esses dados inflacionam o nosso cálculo."

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Resultado: no Brasil, se liquidássemos o problema da educação, teríamos 7,7% casos de demência a menos. Benefício maior só seria visto na Bolívia, porque, lá, se toda a população passasse oito anos ou mais na escola, isso diminuiria em 10,8% o número de pacientes com demência.

Controlar a pressão arterial

Resolver depressa o problema da educação, zerando os casos de jovens fora da escola, infelizmente parece algo um tanto utópico. Não que os outros fatores tenham solução fácil, mas... Mas pergunto: e se a própria autora do estudo, pensando no Brasil, tivesse os poderes da tal varinha mágica?

"Hoje, eu a usaria para criar campanhas educativas sobre hipertensão, que é, vamos dizer, a fruta que está mais perto de cair do pé", é o que Claudia Suemoto me responde. "As pessoas sempre pensam em pressão alta como uma ameaça para o coração. Mas ela também afeta tremendamente o nosso cérebro. E esse é mais um motivo por que todos deveriam saber os seus valores e, se necessário, usar anti-hipertensivos, mesmo se não estiverem sentindo dores de cabeça, nem qualquer outro suposto sintoma".

A hipertensão é mesmo silenciosa e causa demência vascular. Os delicados vasos que irrigam a massa cinzenta ficam tão contraídos que o sangue mal trafega por eles. Daí, sem suprimento sanguíneo adequado, os neurônios padecem e, com o tempo, são destruídos. O AVC (acidente vascular cerebral), que também pode ser causado pela pressão nas alturas, é outro problemaço capaz de alavancar o risco de alguém desenvolver demência.

Vale repetir: se a hipertensão se fosse varrida do nosso território, isso eliminaria, por tabela, 7,6% casos de demência entre os brasileiros. Na Argentina, o impacto seria até maior: 9,4% casos de demência a menos. No Chile? A resposta é 8,3% casos a menos.

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Manter uma boa audição

É impressionante: em todos os estudos do planeta sobre a prevenção de demências, a perda auditiva sempre está no pódio, entre segunda e terceira colocada.

No Brasil, segundo o trabalho da USP, se todos ouvissem bem, haveria uma redução de 6,8% nos casos de Alzheimer e afins. Devemos ser um povo ruidoso, porque só no Chile se ouviria algo parecido — no caso, uma redução de 6,6% de demências entre os chilenos. Já a população do Peru deve escutar tudo muito bem porque, nesse país, melhorar a audição levaria a uma redução tímida de 0,3% nos casos dessas doenças neurodegenerativas.

A professora Claudia justifica: "A cognição funciona como um computador, em que os vários órgãos dos sentidos dão input, isto é, trazem informações, para ele elaborar uma resposta. E a participação da audição é extremamente importante nesse exercício constante que mantém a nossa função cognitiva. No entanto, se alguém deixa de ouvir bem, boa parte do estímulo cerebral é perdida".

Prevenir desde cedo

Quando conta a história da audição, a geriatra sempre escuta algo como: "então, o certo seria a pessoa que já não ouve direito usar aparelho auditivo!". Bem, é claro que sim, se existe uma perda de audição diagnosticada. "Mas, se queremos reduzir demências, o que importa é o indivíduo nem chegar a ponto de precisar dessas próteses, ou seja, estamos falando em prevenir pra valer."

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Desde a adolescência, a gente deveria evitar volumes muito altos, especialmente ao usar fones de ouvido. E, ainda, seria imprescindível o uso de protetores auriculares, se a pessoa trabalha com equipamentos muito barulhentos.

O fato é que a maioria dos doze fatores apontados no estudo precisa ser prevenida ou desde a infância, como é o caso da educação, ou desde os 20, 30, 40 anos no máximo — a obesidade cai bem esse exemplo, assim como os traumas na cabeça (se for andar de bicicleta, por favor, capacete nela!). O consumo de bebida alcoólica, idem. "Não adianta tanto olhar para tudo isso quando você já está na terceira idade", assegura Claudia Suemoto.

Olhar para a América Latina

Não existe região do mundo mais ameaçada pelas demências do que a América Latina, que experimenta um envelhecimento acelerado da população, o que evidencia o risco de a situação sair do controle. Até porque não estamos preparados. As demências já afetam 8,5% dos latino-americanos com mais de 65 anos. Em outras regiões do globo, a prevalência fica entre 5% e 7%.

Mais do que inspirar a reflexão de cada um de nós sobre o que poderíamos fazer para evitar que a cognição, amanhã ou depois, comece a falhar, o estudo da USP pode servir de guia para políticas públicas.

Em um cenário hipotético, se reduzíssemos apenas 15% na prevalência de cada um dos doze fatores — algo mais factível, talvez, do que resolver completamente um deles —, teríamos 784 mil casos a menos de demência no país em 2019. Olhando adiante, que é sempre mais interessante, esse esforço fará o Brasil ter 2,4 milhões de pessoas com demência a menos em 2050. O futuro da nossa cabeça está em nossas mãos.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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