Olho seco prejudica a visão e não é simples: para cada causa, há um colírio

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De quanto em quanto tempo você pisca? Repito a pergunta que ouvi do oftalmologista Sergio Felberg, chefe do Setor de Córnea do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo. Eu, no caso, não soube responder e descobri que isso era um ótimo sinal.
Um piscar de olhos deveria ser imperceptível e indolor. Mas existe gente que nota quando abre e fecha as pálpebras porque elas arranham feito lixas. Acontece com 5% a 50% das pessoas, conforme fatores como região do globo, etnia e idade.
O desconforto faz quase todo mundo buscar por conta própria um colírio lubrificante, que qualquer um consegue comprar sem receita. Ele tem o seu valor. No entanto, sem o olhar do oftalmologista, também pode fazer alguém ir levando adiante um problema sério.
"Existem diversas formas de olho seco e elas podem causar desde queixas leves até situações bem graves, com risco de perda de visão", ensina Felberg. Ele, aliás, é um dos autores do recente LUBOS — Consenso Latino Americano de Lubrificantes Oculares e Olho Seco, elaborado por especialistas de nove países com a intenção de mostrar aos oftalmologistas generalistas que essa não é uma doença única e que existem desde lubrificantes simples até colírios com formulações bastante complexas. "A escolha deve ser individualizada, conforme a causa", informa.
Mas saiba: ainda não inventaram nada que chegue perto da composição da lágrima humana, com seus nutrientes, oxigênio, hormônios, proteínas de defesa, fatores de crescimento e sais minerais. E tudo isso oferecido aos olhos em uma temperatura específica e com um pH preciso.
Além de lubrificar
Se não fosse essa mistura, a lágrima não daria conta de suas funções. Uma delas, claro, é formar o filme que manterá hidratada a superfície ocular, evitando o atrito das pálpebras. Há mais.
"A lágrima é rica em substâncias antimicrobianas como a lactoferrina e a lisozima", exemplifica Felberg. "Lembre-se que a superfície do olho está em contato com o meio ambiente e também com a pele, que é colonizada por bactérias. Por que a gente não tem uma infecção ocular atrás de outra? Por causa dela!"
Outro papel é na refração, isto é, na propagação da luz quando ela alcança o olho. A superfície desse órgão não é das mais regulares e, sendo assim, poderia "espalhar" os raios luminosos. O filme lacrimal, porém, não deixa isso ocorrer, nivelando tudo. Ou seja, ter lágrima é essencial para a gente enxergar bem.
O mais nobre serviço prestado, talvez, venha agora: já reparou que a córnea é um tecido diferente dos outros, porque não tem um único vaso sanguíneo? No entanto, essa lente transparente e fina, que permite a entrada da luz e a formação de imagens, também precisa de nutrientes e oxigênio. Quem faz a entrega, no lugar do sangue, é a lágrima. Se ela não está em quantidade ou em qualidade adequada, a córnea passa apuros. Pense no perigo!
E, como se tudo isso fosse pouco, o filme lacrimal carrega fatores de crescimento, fundamentais para as células do olho se renovarem.
O que faz você produzir menos lágrima
Diversas glândulas espalhadas pela região ocular liberam substâncias diferentes que, no final, resultam nessa receita inimitável. "Mas a principal glândula lacrimal fica um pouco acima", conta o doutor Felberg, apontando uma área próxima do canto externo da sobrancelha.
Às vezes, o mero avançar da idade faz com todo esse conjunto desacelere a sua produção. Doenças reumáticas e autoimunes podem ter o mesmo efeito, assim como medicamentos comuns.
A lista de drogas exibida no tal consenso latino-americano é grande. Inclui analgésicos como a aspirina e o ibuprofeno; antidepressivos como a fluoxetina e outros tantos; a levodopa, indicada no Parkinson; descongestionantes muito usados; beta-bloqueadores e diuréticos receitados contra a hipertensão; ansiolíticos e antipsicóticos diversos; tratamentos oncológicos; a isotretinoína, prescrita para a acne severa e terapias de reposição hormonal na menopausa.
Quando a lágrima evapora depressa
"Existem casos, porém, em que a lágrima é produzida em quantidade normal, mas a sua qualidade é que está alterada. Com isso, ela evapora rapidamente, sem se manter na superfície do olho", explica o doutor Felberg.
Segundo ele, pessoas que tem excesso de oleosidade na pele estão mais propensas ao que os especialistas chamam de olho seco evaporativo "Nelas, há uma disfunção nas glândulas seborreicas que faz a gordura da lágrima ficar modificada". Os componentes gordurosos deveriam formar uma barreira, freando a evaporação do filme lacrimal. Só que, aí, isso deixa de acontecer direito.
Ambientes empoeirados também favorecem o olho seco evaporativo. "É como se o filme lacrimal se rompesse, perdendo sua característica de cobrir e proteger toda a superfície", descreve Sergio Felberg.
Dá para deduzir que a poluição nas ruas piore bastante esses quadros. É provável. Uma coisa é certa: em tempos de mudança climática, as pessoas usam mais o ar-condicionado e este é um fator velho conhecido de ressecamento ocular.
Sem fechar os olhos
"Existem casos de olho seco evaporativo em que o problema está na dificuldade do indivíduo para fechar os olhos completamente", diz o oftalmologista. Pode acontecer com quem se submeteu à cirurgia plástica e, digamos, esticou demais a região, a ponto de atrapalhar o trabalho das pálpebras.
Pelo mesmo motivo, o uso de toxina botulínica para aliviar os pés-de-galinha é capaz de causar ressecamento. Existem, ainda, pacientes que sofreram um AVC, o acidente vascular cerebral, que não conseguem cerrar totalmente o olho do lado do corpo afetado.
No entanto, hoje em dia, com frequência cada vez maior — inclusive em jovens — , o olho seco evaporativo é provocado pelo uso excessivo de telas. A razão é simples: "Quando prestamos atenção em alguma coisa, a tendência natural é diminuir a frequência do piscar", explica o médico. Entenda, o piscar renovaria a camada de filme lacrimal.
"Além disso, a tela tem brilho, calor e luminosidade, fatores que colaboram para o ressecamento", diz Felberg. "Sem contar que, em geral, as pessoas trabalham diante do computador em ambientes com ar-condicionado."
Para quem se encaixa nesse perfil, o oftalmologista indica pausas. Mas atenção: não adianta largar o computador por alguns minutos para pegar no celular. Tela por tela, para os olhos dá na mesma.
Seja pelo motivo que for, quando o líquido da lágrima evapora depressa, a tendência é sobrar moléculas de sais minerais e de outras substâncias na superfície do olho. Esse acúmulo concentrado não é nada bom, porque desencadeia inflamações e prejudica a renovação de seus tecidos.
Quanto mais causas, pior
Existem pessoas que apresentam as duas formas ao mesmo tempo — lágrima a menos e evaporação a mais. É o que os oftalmologistas chamam de olho seco misto.
Pergunto ao doutor Felberg se haveria um tipo pior que outro e descubro o seguinte: "O olho seco costuma ser multifatorial. Isto é, as pessoas vão acumulando causas diferentes de ressecamento ocular. Por exemplo, a idade avança e o paciente fica com a pressão alta. Aí, temos o envelhecimento e o uso de remédios contra a hipertensão atuando juntos. O que sabemos é que, quanto mais causas estão por trás, mais complicado ele tende a ser."
Felizmente, porém, os casos mais frequentes nos consultórios são menos graves, ligados ao estilo de vida. Leia, ao uso de telas e ao ar-condicionado. Ou até mesmo às lentes de contato — ah, sim, elas são mais um empurrãozinho para o ressecamento.
Um colírio para chamar de seu
Existem farmacêuticas que têm em seu portfólio seis ou mais tipos de colírio para tratar o olho seco. Exagero? Que nada! O doutor Felberg dá um exemplo: "O pH do filme lacrimal é ligeiramente alcalino, em torno de 7,2. Na doença do olho seco, porém, ele pode se tornar alcalino demais e isso faz com que não funcione tão bem. Daí que há colírios só para corrigir o pH da lágrima."
Como um médico pode saber do que o seu olho está precisando? O principal objetivo do consenso latino-americano foi justamente criar diretrizes adaptadas à nossa realidade, recomendando testes que geralmente são feitos em qualquer consulta oftalmológica. Sergio Felberg justifica: "Nos últimos tempos, surgiram tecnologias interessantes para investigar o olho seco, mas são caras e não se encontram em qualquer canto."
Em seu lugar, a obtenção da história clínica detalhada mais que nunca é importante. O médico precisa puxar uma boa conversa para entender a forma de ressecamento e qual medicamento deve ser prescrito, considerando uma graduação de intensidade do olho seco. Ela também aponta qual seria o colírio ideal.
Não é apenas um incômodo
No Brasil, a incidência de olho seco varia. Orientais e seus descendentes têm maior propensão. Já as pessoas negras correm maior risco de glaucoma, a pressão intraocular elevada, que é outra causa de ressecamento.
"Nossa diversidade é uma prova de que não tem como colocar todos os pacientes em um único saco, prescrevendo o mesmo lubrificante", conclui Felberg. Portanto, antes de correr à farmácia, a gente deveria buscar o oftalmologista.
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