Câncer de testículo: o que todo homem jovem precisa saber

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O carocinho nem sempre dói. Mesmo assim, é improvável que passe despercebido se o rapaz segue normas básicas de higiene e, na hora do banho, ensaboa bem o seu saco. O nódulo endurecido em um dos dois testículos é, de longe, o sinal mais comum de um câncer surgindo ali.
Embora, fazendo justiça, existam casos em que fica impossível perceber algo de diferente nesse pedaço— e, aí, não é que o moço deixe de se tocar. Isso ocorre se o maldito caroço, quando mal dava para ser notado, não perdeu tempo para espalhar suas células malignas e, depois, tomou chá de sumiço no local de origem, sem deixar rastro de que um dia esteve no escroto. Os médicos chamam esse quadro de tumor burned-out, como se ele tivesse sido queimado.
Quando é assim, o garotão pode sentir incômodos sortidos e variados. Dor pélvica ou abdominal, quem sabe. Dificuldade para evacuar, talvez. Inchaço na perna, às vezes, porque o tumor exportado pelo testículo passou a comprimir uma veia vinda dela e o sangue não consegue retornar direito. Ou o nódulo da metástase começa a apertar o uréter, provocando um tormento que se confunde com cólica renal.
Se o tipinho maligno é daqueles mais ousados, que conseguem subir para o tórax, alcançando então os pulmões, é possível que o jovem comece a tossir ou a ter falta de ar. E quem, por estar sem fôlego, iria suspeitar de um problema que nasceu no interior do saco?!
Muita calma, meninos: o câncer de testículo é raro. Representa menos de 1% de todos os tumores malignos nos homens. Se bem que, olhando de um outro jeito — quero dizer, olhando só para aqueles que têm de 15 a 35 anos —, ele se torna a forma da doença mais frequente na ala masculina.
Pode não ser uma perspectiva agradável, mas há uma notícia tranquilizadora: "Estamos falando de um dos cânceres mais curáveis que existem", garante o urologista mineiro André Salazar que, além de ver pacientes se recuperarem da doença no Instituto Mário Penna, em Belo Horizonte, supervisiona justamente a área de câncer de testículo da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia).
Se o tumor ainda está no canto dele, isto é, na gônada masculina, a probabilidade de superá-lo é capaz de beirar 100%. "E, mesmo quando já se espalhou e é agressivo, o paciente tem de 65 a 70% de chance de sobrevida", conta o urologista, que é também professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Só que, rapaziada, não se cura nada quando não se descobre o que, de fato, está adoentado. Por sua vez, não se descobre bulhufas sem se desconfiar de algo estranho. E ninguém desconfia do que desconhece. Portanto, é hora de encarar um assunto que pode parecer um saco.
Por dentro de um escroto
Ninguém está baixando o nível do texto, senhores. Escroto, na anatomia, é saco. Este guarda o par de gônadas masculinas, os testículos, responsáveis pela produção dos espermatozoides e por mais de 90% da testosterona — hormônio que, diga-se, não tem nada a ver com o câncer de que estamos falando.
Um detalhe: no início da gestação, homens e mulheres são aparentemente iguais. Então, os testículos deles ficam no mesmo lugar dos ovários, as gônadas delas. Isto é, dentro do abdômen. As "bolas" masculinas começam a descer no último trimestre gestacional. Em alguns, a descida só se completa nos primeiros meses após o nascimento.
"Por isso, o testículo mantém a drenagem dos linfonodos dentro da cavidade abdominal", explica o professor Salazar. "Daí, se há um câncer, a tendência é suas células escaparem por eles para a barriga."
Um câncer de homens jovens
No caso do testículo, as células que costumam malignizar são as que os médicos chamam de germinativas, que formariam os espermatozoides.
Isso leva a gente a entender por que é uma doença de jovens: "É por volta dos 15 anos que se inicia a produção desses gametas, os espermatozoides, podendo então vir à tona eventuais problemas em sua 'fábrica'", diz o urologista.
Essa produção continua a mil principalmente até os 30 e poucos anos, aumentando o risco de algo sair errado com o ritmo acelerado. Atenção: não que não possa surgir um câncer de testículo em homens mais velhos. Mas, neles, é bem diferente e uma raridade.
O testículo que não desceu
Que jovens correm maior risco de ter esse câncer? "Aqueles que têm criptorquídia", responde o professor Salazar. No velho grego, o termo significa um "testículo escondido". O esconderijo é o abdômen. Isso porque a gônada não desceu para o saco escrotal como previsto nos tempos de bebê.
"O testículo precisa de uma temperatura específica para produzir os espermatozoides", lembra André Salazar. É fato: necessita de um clima mais refrigerado, 1° ou 2° Celsius abaixo da temperatura corporal de 37°. Por esse motivo, o saco fica pendurado, mantendo certa distância do resto do corpo e só se aproximando dele em ambientes frios. Mas as gônadas que não desceram até essa bolsa vivem passando calor, em uma condição de trabalho insatisfatória que predispõe ao câncer.
"Homens nessa situação devem ficar atentos", aconselha o médico. Aliás, idealmente os pediatras encaminhariam o menino ao urologista se a descida dos testículos não aconteceu. Até os 4 anos, uma vez localizadas as gônadas dentro do abdômen, uma cirurgia é capaz de conduzi-las para o endereço definitivo entre as pernas.
Um testículo muito pequeno
Está aí mais um fator de risco: ter testículos com volume menor que 12 centímetros cúbicos, associado à infertilidade. "Aliás, o câncer de testículo ser parece mais frequente em que já tinha problemas de fertilidade", observa o professor.
Mas nem pense em generalizar: há homens com esse tipo de dificuldade que nunca desenvolverão esse câncer. É uma questão, apenas, de ficarem mais espertos pela ameaça aumentada. Recado que vale principalmente para irmãos de pacientes que tiveram a doença.
O caminho até o diagnóstico
Um nódulo duro no testículo já coloca pulgas atrás das orelhas do urologista. Se o paciente é jovem, a suspeita aumenta. E, claro, se tem um testículo pequeno, um problema de fertilidade ou se a gônada não desceu, idem. "Mas só isso não fecha o diagnóstico", revela o professor Salazar.
Ainda há um longo caminho, começando pelo ultrassom com doppler para o especialista examinar características do tal nódulo e saber se ele teria um fluxo sanguíneo diferente.
Além disso, algumas substâncias na circulação servem de marcadores. "Um deles é o beta-HCG", conta o médico. "Sim, a mesma molécula capaz de entregar a gravidez da mulher." Obviamente, o homem não está "grávido". Nele, o beta-HCG é liberado pelas células tumorais do testículo.
Outros marcadores entregam o volume do tumor ou se ele é do tipo não seminoma. "Este é um câncer de testículo mais agressivo que o tipo que chamamos seminoma, porque se espalha com facilidade para a parte de trás do abdômen", define o médico. "É caso de operar depressa para tirar o testículo do lado doente."
No entanto, marcadores em dosagens normais podem ser insuficientes para varrer uma suspeita. Às vezes, ela só desaparece quando, por via das dúvidas, o testículo com o nódulo é tirado para a análise do patologista por meio de uma incisão na região inguinal, entre a coxa e o abdômen. Um corte no próprio saco? Jamais! Isso mexeria com a rede de linfonodos e daria brecha para células doentes escaparem para a barriga, se já não fizeram isso.
Mais que flagrar a doença
O primeiro grande divisor de águas é ver se o câncer está só no testículo ou se já foi passear pelo abdômen. E qual é o seu tipo, o seminoma ou o outro? "Preciso saber se estou diante de um poodle ou de um pitbull", compara o professor. Esse, aliás, é o segredo do sucesso.
Afinal, para cada quadro há um protocolo feito receita de bolo para tratar — e ele tem tudo para curar a pessoa, desde que essa categorização inicial seja bem feita . Se erram nesse início, difícil ter as mesmas ótimas chances depois..
Cuidado com o coração (e com o tabu)
O senão é que, apesar de curar, a quimioterapia para esse tumor é bem tóxica. Entre outros órgãos, o coração pode pagar o pato adiante. Por isso, o rapaz que saiu dessa deve procurar um cardio-oncologista — o cardiologista especializado em cuidar de eventuais sequelas de um tratamento de câncer — para viver bem os 50, 60 ou mais anos que ainda tem pela frente. Em alguns casos, antes do tratamento o homem deveria congelar espermatozoides, se pretende ser pai.
Mas, claro, quanto antes a doença for identificada, menor o risco de alguém precisar desses quimioterápicos da pesada. Conforme a agressividade, um tumor pequenino que se mantém no testículo pode ser extirpado e o jovem, então, vai precisar apenas de acompanhamento periódico ou de uma químio de baixíssima dose, usando uma única droga, em vez de duas ou três.
"Infelizmente, muitos homens chegam com um testículo de 10 centímetros porque, entre eles, existe um enorme tabu em torno de todas as doenças ligadas à genitália", lamenta André Salazar. Eles não contam nada para ninguém até não conseguirem mais esconder porque, a partir de certo ponto, a velocidade de crescimento do testículo afetado acelera com tudo. Melhor seria se, sentindo o mínimo carocinho, eles procurassem o urologista, ora, bolas.
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