Tecnologia com ultrassom reduz 70% dos tremores do Parkinson em uma sessão

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Na semana passada, a chegada de uma nova tecnologia ao país foi das mais felizes para quatro pacientes que mal controlavam os movimentos de tanto que tremiam. Eles saíram do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, praticamente sem esse sintoma e isso apenas poucas horas depois de passarem por um procedimento de vanguarda, cujo efeito foi imediato. Sem furos, sem cortes, sem anestesia geral.
Uma das pessoas tinha Parkinson e as outras três, tremor essencial, condição neurológica de fundo genético que pode aparecer em qualquer idade e que acomete principalmente os membros superiores.
O que os médicos do Einstein fizeram foi uma terapia ablativa. É assim que dizem quando destroem — queimam mesmo — determinado ponto de um órgão usando algum tipo de energia. Só que, no caso, o tal órgão era "apenas" o cérebro. E a energia? O som. Ou, mais precisamente, o HIFU, de "high intensity focused ultrasound". Traduzindo, ultrassom focado de alta intensidade.
Ele vinha sendo usado para resolver problemas em outros órgãos, cujo acesso é bem mais simples. "A gente já lança mão do HIFU para tratar câncer de próstata e mioma de útero", exemplifica Rodrigo Gobbo, diretor do Centro de Medicina Intervencionista do Einstein. Mas o cérebro, sob a armadura da calota craniana, parecia inalcançável.
No ponto exato
"O osso, assim como o vácuo, é uma barreira natural à propagação de ondas sonoras", diz Gobbo, forçando a lembrança de uma das leis da Física. Segundo ela, o esperado seria o ultrassom bater no crânio e, feito uma bolinha de fliperama, ser desviado.
A proeza da empresa israelense Insightec, representada pela Strattner em nosso país, foi desenvolver ao longo de 15 anos de pesquisas uma tecnologia capaz de fazer com que as ondas de ultrassom, emitidas por nada menos que mil transdutores minúsculos espalhados por um capacete, convirjam todas para um único ponto. Qualquer mínimo desvio é corrigido.
"Mesmo assim, por pura precaução, antes de cogitar o procedimento realizamos uma tomografia computadorizada para checar a espessura do osso do crânio", conta Gobbo. "Mas a terapia é tão avançada que é muito improvável alguém ser excluído por causa disso."
As imagens são analisadas e os algoritmos calculam onde as ondas precisam parar. E, no caso, elas precisam parar exatamente no VIM, o núcleo ventral intermédio, que fica na região cerebral do tálamo. Pouco maior que um grão de arroz, ele é o endereço em comum dos tremores do Parkinson e do tremor essencial.
Não há erro de rota porque, o tempo todo, o procedimento está sendo realizado com o paciente — e seu capacete — dentro do equipamento de ressonância magnética. "Ela é o melhor método para mostrar detalhes do sistema nervoso central", justifica o doutor Gobbo.
Um desenho de caracol
A neurologista Polyana de Toledo Piza, gerente médica do Programa de Neurologia do Einstein, conta que já se tentou usar outras técnicas de ablação para alcançar o VIM. "Mas a enorme vantagem do HIFU é que o paciente fica acordado o tempo inteiro e, com isso, a gente consegue fazer um teste reversível, com baixa energia, só para checar se as ondas do utrassom estão focadas no lugar certo. Como vejo isso? Aumento um pouco a temperatura e peço para o paciente ligar dois pontos em linha reta ou fazer o 'caracol do tremor', por exemplo", explica.
A médica se refere a um desenho de um labirinto em forma de caracol que ela passa em uma prancheta com caneta por cima do paciente, que está deitado dentro do equipamento de ressonância, vestindo o capacete do HIFU. "Se ele continuar tremendo, não conseguirá a caneta irá fazer um ziguezague, sem acompanhar direito esse labirinto", descreve a neurologista.
Outra preocupação é a energia não bater, sem querer, em outras áreas nobres do cérebro. "Bem ali, por perto, há uma estrutura chamada cápsula interna, por onde passam todas as fibras motoras. Ou seja, se eu for um pouquinho mais para o lado, posso diminuir a força ou alterar a fala do paciente." Calma, se isso acontecer, será só naquele momento no qual os neurônios ficarão inativos. "Tirou o ultrassom e eles logo voltam ao normal", garante a doutora.
No entanto, se os tremores estiverem melhorando, ela continuará aumentando a temperatura até obter o melhor resultado. E, só então, fará a lesão irreversível. E, não, a pessoa não sente nada. Vá lá, alguns relatam uma leve tontura na hora agá.
O mapa dos feixes nervosos
Se o Brasil só está fazendo HIFU no cérebro agora, por outro lado o Einstein é um dos poucos lugares do mundo que usam essa tecnologia ao lado de um software de tratografia, por causa do investimento alto para unir as duas tecnologias. O que esse software faz é mapear os feixes de neurônios, com seus longuíssimos axônios feito caudas. De onde saem? E para onde vão?
"Isso aumenta a eficácia e a segurança do procedimento", afirma Rodrigo Gobbo. E a doutora Polyana complementa: "A ressonância pode até me mostrar onde está a tal cápsula interna. Mas o que está saindo dela e seu trajeto, eu não conseguiria ver sem a tratografia."
E, aí é que está, o percurso dos meus feixes de nervos pode ser diferente do seu. Milimetricamente. Mas 1 milímetro, no caso, faz diferença. "Só que, como o software é usado previamente, a gente já faz o HIFU conhecendo a anatomia específica do cérebro de cada paciente", assegura a doutora.
É preciso raspar os cabelos
Sim, é a primeira coisa que é feita quando a pessoa chega no hospital — especialmente para as mulheres, essa seria a hora mais dramática, apesar de os fios crescerem normalmente depois. É necessário deixar a cabeça lisinha porque a cabeleira também poderia desviar as ondas de ultrassom.
Picada? Até colocam uma agulha na veia por cautela, caso seja necessário injetar algum remédio depois. "No HIFU, não há contraste", esclarece a doutora Polyana, que, antes de iniciar qualquer coisa, faz testes — dá-lhe caracol e outros! "Eu preciso saber como o indivíduo está sem tratamento algum", alega. Aliás, a pessoa deve interromper a medicação para o Parkinson ou para o tremor essencial, justamente para uma avaliação nua e crua dos tremores.
Em seguida, na proximidade das têmporas, é feita uma anestesia local. Não por nada: o capacete do HIFU tem um ferrinho para não sair do lugar que aperta bem nessa região e isso poderia acabar incomodando.
Quando a equipe faz os primeiros testes com baixa energia — aqueles que causam a lesão reversível — e vê que alcançou o máximo de efeito possível, o paciente sai do equipamento, tira o capacete enorme e ainda fica uma hora em observação antes de repetir — sim, mais uma vez! — todos testes. Daí, sim, os médicos realizam a ablação para valer.
Em pacientes que têm Parkinson com tremores bilaterais, o HIFU é feito, inicialmente, para minimizar em até 70% o sintoma de um lado. Apenas nove meses depois, com a lesão do primeiro procedimento já consolidada, os médicos podem repetir a terapia para cuidar do outro lado. Já para quem tem tremor essencial, por enquanto o HIFU é indicado somente para casos refratários, que não respondem aos três medicamentos aprovados para tratar essa condição.
E agora?
No futuro, a ideia é que a ablação com ultrassom seja usada na neurologia em outras situações. Por exemplo, criar microscópicos furos na barreira de sangue que a natureza criou para proteger o sistema nervoso central. É que ela faz esse serviço tão bem que, muitas vezes, não deixa entrar remédios para tratar um câncer de cérebro, por exemplo. Aí, usar o ultrassom — mas o de baixa intensidade — para torná-la temporariamente mais permeável poderia ser útil.
No Einstein, as expectativas são as melhores. "A ideia, por meio de parceria público-privada, é levar o HIFU para hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde)", afirma Rodrigo Gobbo. "E também usá-la em pesquisa."
A experiência de outros países, onde o HIFU para tratar tremores já vinha sendo feito, mostra que os resultados são bastante estáveis. Na verdade, os participantes de estudos clínicos tratados desse jeito há cinco anos continuam sem voltar a tremer como antes.
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