Lúcia Helena

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Reportagem

Menopausa: novo tratamento sem hormônio age contra insônia e fogachos

A derrocada dos hormônios femininos na menopausa é sentida da cabeça aos pés. E digamos que, nos anos recentes, os cientistas passaram a olhar justamente para o que acontece na cabeça.

Isso marca uma nova era no tratamento de dois de seus sintomas mais perturbadores: os fogachos, aquelas ondas de calor que atormentam 80% mulheres nessa fase, e a insônia, que acontece com 60% delas.

Uma nova era, em primeiro lugar, porque o remédio apresentado na semana passada pela farmacêutica Bayer a um grupo de jornalistas de dez países, em Berlim, na Alemanha, não é um hormônio. Daí que pode ser usado por todas as mulheres na menopausa.

Talvez se pergunte: já não existe um monte de alternativas naturais que tampouco são hormonais? Ah, existem. São muito eficazes? Nenhuma delas. A maioria, segundo estudos científicos, mal alivia o mal-estar do calorão que surge do nada, empapando a roupa de suor. Muitas vezes, suas alegadas qualidades não passam de efeito placebo. Se a gente pensar em distúrbios do sono, então, os remédios receitados às mulheres com queixa de insônia costumam oferecer o seu pacote particular de problemas — a dependência é um deles.

Portanto, a saída garantida para os fogachos e a dificuldade para dormir vinha sendo repor os hormônios perdidos. Uma estratégia que beneficia muitas mulheres mundo afora, mas que é impraticável para outras tantas, por questões de segurança e até de tolerabilidade.

Três limitações da reposição

A primeira delas é bem conhecida: quem teve câncer de mama ou de endométrio deve abrir mão da reposição. Afinal, esses tumores podem se alimentar dos hormônios femininos e, aí, o risco de darem as caras sobe. Também ficam de fora pacientes com problemas no fígado ou que sofreram infarto, por exemplo.

Além dessa turma, existe uma tendência entre as últimas gerações que chegaram na menopausa de evitar o uso de hormônios a todo custo. Sem entrar no mérito do quanto há de lógica ou de fake news nutrindo esse receio, esse grupo crescente vem se obrigando a tolerar os sintomas dessa fase.

Finalmente, uma questão que devemos encarar: mesmo para quem pode e quer fazer o tratamento hormonal, ele nunca resolve os sintomas da menopausa para sempre. Nunca. "Há, sim, um prazo de validade ", reconhece a ginecologista portuguesa Cecília Caetano, que hoje é diretora médica global de saúde feminina na Bayer. "A reposição de hormônios só pode ser feita na janela de oportunidade de dez anos após o início da menopausa e, mesmo dentro dela, ao longo de cinco anos, não mais do que isso."

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Embora alguns médicos questionem se não poderiam estender o tratamento hormonal por um pouco mais de tempo, nenhum discute que ele deve ser interrompido quando a mulher completa 60 anos. Ou seja, depois acontece o quê? Voltam os fogachos, o desafio diário para dormir, volta tudo.

O novo medicamento não hormonal, porém, supera esses obstáculos. São duas cápsulas tomadas juntas, de preferência à noite, para dar aquele empurrãozinho no adormecer.

A molécula batizada de elinzanetant já está em fase de aprovação no FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos. A expectativa é de que seu lançamento, nesse país, aconteça ainda em 2025. Na Europa, a mesma coisa. Por aqui? Provavelmente as brasileiras aguardarão até um ano após o remédio chegar nas farmácias lá fora. Mas é, de fato, algo bem diferente de tudo o que existe até agora.

Quando a ciência mira nos sintomas

"O elinzanetant espelha a maneira como a Medicina vem evoluindo", pensa a doutora Cecília. "Em vez de mirar no alvo terapêutico — que, no caso, seria a menopausa —, ele se direciona a sintomas bem específicos, como já vimos acontecer com sucesso em tratamentos para asma e para doenças cardiovasculares", diz a doutora Cecília.

É necessário um conhecimento profundo dos mecanismos por trás de cada sintoma para conseguir a façanha de bloqueá-los. "Isso permite criar remédios mais eficazes e com um perfil de segurança superior", afirma a médica, reforçando o que se viu em estudos com mais de 800 mulheres americanas, europeias e israelenses, com idade entre 40 e 65 anos, que já tinham parado de menstruar há mais de 12 meses. Elas penavam com 50 fogachos por semana, em média. "O interessante é que os resultados são rápidos, aparecendo desde o primeiro dia de uso da medicação e alcançando o máximo de alívio em uma semana", revela a doutora.

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A eficácia é porque os cientistas encontraram a origem das ondas de calor e da insônia típica da menopausa em neurônios situados na região cerebral do hipotálamo. "Quando os hormônios femininos ficam baixos, essas células reagem estimulando descontroladamente vias nervosas envolvidas na nossa regulação térmica e no sono", explica a ginecologista.

Entenda a diferença do que vem por aí: em vez de repor hormônios em altas doses para esses neurônios reencontrarem o equilíbrio, o novo medicamento simplesmente corta as tais vias.

O fim das ondas de calor e da insônia

Os neurônios em questão se chamam KNDy — a gente lê "candy", como a palavra usada para balas e guloseimas doces em inglês. Quando Cecília Caetano se formou na Universidade de Coimbra, em Portugal, ela nunca tinha ouvido falar neles. Afinal, só foram descobertos na última década. "Mas um professor sempre contava que, no passado, as mulheres mediam a temperatura para saber se estavam ovulando", recorda-se. "É que, no período que seria o da possível implantação de um embrião, o organismo feminino tende a ficar mais quente para favorecer que isso aconteça. Depois, a temperatura cai outra vez."

Os neurônios KNDy estão por trás desse sobe e desce, analisando as taxas de hormônios em circulação para se situarem na fase do ciclo. "A questão é que, quando os hormônios ficam muito baixos, seus sensores deixam de funcionar direito. Então, sem a informação da fase do ciclo, os neurônios KNDy ficam enlouquecidos e hiperativados", descreve a ginecologista. Essa atividade nas alturas aciona dois receptores, o NK 1 e o NK 3, que seriam inibidos pelo estrogênio. Resultado: a temperatura sobe abruptamente.

O organismo tenta dissipar depressa o excesso de calor. Faz isso dilatando os vasos superficiais da pele, deixando-a afogueada. As glândulas sudoríparas entram no jogo. Afinal de contas, fazem parte do nosso sistema de resfriamento. Logo, o suor jorra. "O elinzanetant, porém, bloqueia diretamente esses dois receptores. E é como se os neurônios KNDy se acalmassem", explica a doutora.

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Em relação ao sono, há uma história curiosa: em trabalhos anteriores, realizados em homens, os pesquisadores usaram a mesma substância que ativaria essas nervosas e, com isso, os voluntários apresentaram uma baita insônia. Portanto, a ação do remédio em prol de um bom sono já era esperada.

O futuro do tratamento

Há mais de 30 sintomas relacionados à menopausa e, embora os fogachos e a insônia estejam entre os mais frequentes, o novo remédio não cobre todos eles. "Mas essa nunca foi a ideia", esclarece a doutora Cecília. Segundo ela, amanhã ou depois os ginecologistas irão combinar diferentes tratamentos focados nos sintomas, conforme o que cada paciente sentir.

Também não se descarta a possibilidade de o elinzanetant ser usado junto com a terapia hormonal — mas, aí, ela talvez possa ser oferecida em baixíssima dose, aumentando sua segurança.

Para quem teve câncer de mama

Por falar nisso, foram quatro estudos em fase 3 — aquela com pacientes —, confirmando a segurança da medicação não hormonal a longo prazo. O último deles, o OASIS 4, chama bastante a atenção: os pesquisadores acompanharam mulheres que tiveram tumor mamário.

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"Elas dificilmente são incluídas em qualquer pesquisa de tratamento da menopausa por razões óbvias. No entanto, pelos bons resultados que já tínhamos em mãos, senti a oportunidade", conta a doutora Cecília que, antes de iniciar na Bayer em 2015, atuou por mais de dez anos com essas pacientes no hospital da Universidade de Coimbra, assistindo ao seu sofrimento quando a menopausa chegava e não havia nada a lhes oferecer. "Mesmo se é de uma mulher que não teve câncer, termina o período da reposição hormonal e ela acaba quase descartada por alguns colegas, que não veem como tratar os seus sintomas", lamenta a doutora.

Ela brinca que passou enxergar esse cenário por causa de um cavalo: "Nesse hospital, a chefe do Departamento de Menopausa cavalgava e, infelizmente, levou um tombo. Ficou afastada por um ano e assumi o seu lugar", conta, passando a mão no lenço de seda enrolado no pescoço, que — coincidência ou não — trazia a estampa desse animal. "A sociedade precisa mudar a mentalidade de que sofrer na menopausa é normal porque, hoje, as mulheres têm um terço da vida pela frente depois da entrada nessa fase. São ativas e potentes." Ainda bem que, desta vez devem cair do cavalo a insônia e as ondas de calor.

Nota: Esta colunista viajou a Berlim a convite da Bayer.

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