Lúcia Helena

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Reportagem

É errado teclar no celular com o dedão e você deveria usar o indicador

A sabedoria enaltecida até no nome do Homo sapiens não seria a mesma se, há cerca de 2 milhões de anos, algo diferente não tivesse acontecido com um de seus antecessores, provavelmente o Homo erectus: além de deixar de andar de quatro e ficar em pé, os polegares desse nosso ancestral primitivo passaram a alcançar, feito uma pinça, o mindinho.

O encontro do dedão com o dedinho e — o que ficou ainda mais fácil depois dessa — do dedão com qualquer outro dedo menos distante da mesma mão criou uma ferramenta poderosa, capaz agarrar os mais diferentes objetos e, com eles, fazer coisas fantásticas, vencendo a guerra pela sobrevivência.

No entanto, esse mesmo dedão que nos deu uma mãozinha para chegar até aqui, agora padece. A evolução trouxe a tecnologia e a tecnologia, até o momento, lhe trouxe dores.

Não que a vida moderna ande lhe exigindo mais força. Mas lhe pede para executar um movimento curto, curtíssimo, só que de um lado para outro, sobre o teclado do celular. E o dedão, em todos esses anos, não se preparou para se mexer como se fosse um agitado para-brisas. A tendinite é quase certeira. Se duvidar, uma artrose também.

No Brasil, onde em 2023 existia 1,2 smartphone por pessoa — ou 249 milhões de aparelhos no total, de acordo com pesquisa feita pela FGVcia (Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas) —, fica fácil compreender a impressão do médico Antonio Carlos da Costa, atual presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão, de que esse é um dos problemas que mais crescem. Aliás, lá fora ele vem sendo chamado de "texting tendinitis", a tendinite do envio de mensagens.

Tempo e velocidade

Estima-se que sete em cada dez brasileiros sejam usuários frequentes do WhatsApp — que, por aqui, é o aplicativo de envio de mensagens mais popular. "Passar duas ou mais horas por dia digitando com os dedões no celular oferece um enorme risco", diz o doutor, que se especializou em mãos há três décadas. "E muitas pessoas ficam todo esse tempo, diariamente, sem sentir. Se olharem para o histórico do seu celular, verão que, fácil, costumam ultrapassar esse limite."

Mas não é só questão de tempo. Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, onde também é chefe do Grupo de Cirurgia da Mão e Microcirurgia, ele lembra que a velocidade também conta. Faz sentido.

Um estudo feito pela DScout Mobile Research, nos Estados Unidos, mostra que, ao longo de duas a três horas escrevendo no celular, uma pessoa faz, em uma velocidade nem muito lenta, nem muito rápida, cerca de 2.617 movimentos dos dedões no teclado. Para alguns indivíduos, especialmente os mais jovens e ágeis, a quantidade de batidinhas na tela mais que dobra: os dedões chegam a repetir o movimento 5.427 vezes por dia. Para eles, é demais!

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Na entrevista, contei ao médico que costumo digitar bem rápido no celular. "E, se continuar assim, vai precisar de um especialista em mãos bem rápido também", sentenciou. Estalei dos dedos de nervoso.

Por que o dedão não aguenta

"O grande problema da digitação com os dois polegares é a articulação na base desses dedos", explica Antonio Carlos da Costa. Instalada entre o osso trapézio, logo acima do punho, e o primeiro metacarpo, osso que já fica no dedão, ela — nas palavras do especialista — "não se desenvolveu tão bem durante a evolução quanto outras".

Diz isso porque a tal articulação do trapézio metacarpiano é instável por natureza. "Ela se encaixa quando você abre o dedão para o lado e se desencaixa quando você o fecha", descreve o doutor. "Lógico que, quanto mais fizer esse movimento de abrir e fechar, mesmo que a amplitude dele seja mínima, mais vezes irá desencaixá-la, Isso costuma provocar inflamação nas estruturas da região e desgastes."

Até existem pessoas que ficam penduradas no celular o dia inteiro e não sentem nada. "Porque há mais fatores nessa história", diz o médico. "Ser mulher é um deles. O hormônio feminino estrógeno deixa essa articulação frouxa e, portanto, ainda mais instável", justifica. A idade é outro. "Os sintomas, em geral, aparecem depois dos 40 anos e, no caso das mulheres, principalmente após a chegada da menopausa", explica Antonio Carlos da Costa.

Quais são os sintomas

Primeiro, percebe-se apenas um desconforto, como se digitar poucas linhas com os dois polegares já provocasse um certo cansaço nas mãos. Na sequência vem a dor. "Ou, então, a pessoa sente uma espécie de estalido, uma crepitação. A impressão é de que falta graxa na dobradiça do dedão. A articulação em sua base parece ranger. Quando é assim, é mais que hora de procurar um médico", alerta o especialista.

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O primordial: a articulação dos polegares precisa ser poupada para que o problema não avance. Se isso acontece, podem surgir até mesmo deformidades.

Como é o tratamento

"A medida número 1 é — além de reduzir o tempo no tecladinho do smartphone — voltar a digitar à moda antiga, isto é, com os indicadores", orienta o doutor. "Depois de uma boa avaliação clínica, também prescrevemos anti-inflamatórios e fisioterapia."

O fisioterapeuta, no caso, irá passar exercícios específicos para fortalecer a musculatura da região e, dessa maneira, diminuir o jogo entre aqueles dois ossos, o trapézio e o primeiro metacarpo. "É preciso, de fato, tomar extremo cuidado com a instabilidade na base dos polegares para evitar maiores desgastes", avisa.

Os desgastes articulares não atrapalham apenas porque são dolorosos. "O polegar é responsável por 40 a 50 por cento da função da mão", conta Antonio Carlos da Costa. "Portanto, se ele enfrenta problemas, fica difícil segurar qualquer coisa, dar as mãos, afagar, tocar um instrumento, cozinhar, abotoar a camisa... ", vai enumerando. A lista parece não ter fim e dá a dimensão da encrenca causada por um polegar que passou a vida mandando textos.

O tratamento clínico, porém, alivia bastante a maioria dos casos. "Apenas quando a articulação já está muito desgastada, torna-se necessária a cirurgia. Operamos um em cada dez casos", calcula o cirurgião de mão. "E existem pacientes que até desenvolvem deformidades, mas que, mesmo assim, ficam bem, sem sentir dor. Aí, não fazemos nada."

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O que seria o certo

Usar o indicador no lugar do dedão para digitar no smartphone, do ponto de vista da saúde, é de longe o mais correto. "Para isso, a dica é, sempre que você não estiver na rua, deixar o celular sobre a mesa ou usar um apoio apropriado para conseguir teclar com o indicador, sem que ele tenha que ajudar a segurar o aparelho", ensina o médico.

Se digitar com os dois dedões parecer inevitável por costume ou por não ter um móvel de apoio por perto, ao menos alterne conscientemente as duas maneiras de teclar. Intervalos de descanso para os polegares são fundamentais.

Aliás, não fique mandando mensagens a todo instante — e, aqui, o conselho é pelo bem dos seus dedões. Poupá-los é palavra de ordem tanto na prevenção quanto no tratamento, se já anda reclamando de dor ou estalos.

"O melhor mesmo seria apelar para a função de ditado que os smartphones mais modernos vêm oferecendo", diz o doutor. Em sua opinião, essa é a esperança: a de que a tecnologia desenvolva mais recursos envolvendo comandos de voz, evitando que o futuro seja marcado por uma explosão de problemas nas mãos dos adolescentes de hoje, que têm o celular quase como uma extensão dos dedões.

Porém, para as gerações que, agora, têm 40 anos ou mais, talvez o estrago já tenha começado. Ao menos, é o que os especialistas em mãos observam no consultório, pelo número crescente de queixas. Se você está nessa faixa de idade, antes de uma má surpresa, é mais que recomendável trocar de dedo. Ou melhor, é o certo. Mesmo que isso signifique, até pegar a prática, catar milho no tecladinho para enviar um texto ou outro.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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