Tentante diz como foi sofrer 5 perdas e não ter filhos: 'pedi para morrer'

Poderia ser uma história trágica, mas a dona dela não é daquelas personagens que nasceram para lamentar. É uma mulher bem real aliás, de 43 anos, que emerge de uma narrativa de rodadas frustradas de tratamento, gestações tubárias, abortos, retirada de uma das duas trompas, um parto gemelar realizado com 23 semanas, e o adeus para a única bebê que resistiu até ali.

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Daniele Martins é uma sobrevivente, mãe de cinco anjos (termo usado por mulheres que perderam seus bebês), e um retrato do amor incondicional pela vida. A adolescente que não sonhava em ser mãe tornou-se uma mulher que sentiu pulsar a vontade de engravidar, e se viu renascer a cada desafio enfrentado, começando pela descoberta de que suas trompas estavam obstruídas e que, por isso, precisaria de ajuda de fertilização in vitro (FIV).

Não basta ser mulher para gerar filhos. Eu tenho que ter algo que 'funcione' para que aconteça, e aí foi minha primeira quebra de paradigma. Passei um ano em luto, brigando com aquilo, e comecei a fazer os tratamentos com raiva, contrariada. A ideia de que eu tinha que lutar contra meu próprio corpo era revoltante.Daniele Martins, executiva e consultora financeira

Depois de ter se tornado executiva da área de finanças, Daniele morou em Londres por cinco anos, voltou ao Brasil, se casou, e influenciada pela irmã - que havia acabado de descobrir que teria um bebê -, decidiu investigar sua própria fertilidade. Foi então que recebeu o primeiro susto: a notícia de que suas trompas estavam obstruídas e a necessidade da fertilização.

Começava ali o processo que redefiniu sua vida. Foram duas tentativas de FIV fracassadas, seguidas de um milagre natural: a gravidez espontânea que trouxe alívio, surpresa e alegria. Mas, infelizmente, durou pouco. Era uma gravidez tubária, que a levou para uma cirurgia de emergência e a um luto profundo.

Após primeira frustração, possibilidade de trigêmeas

A alegria inicial de Dani ao descobrir que poderia ter trigêmeas
A alegria inicial de Dani ao descobrir que poderia ter trigêmeas Imagem: Arquivo Pessoal

Dani tentou mais vezes. Não foi indicada a desobstrução de trompas, e sim, seguir com a ideia de implantar o óvulo direto no útero. Em 2019, um tratamento em Campinas, interior de São Paulo, trouxe a tão sonhada gestação: dois embriões que se dividiram, resultando em trigêmeos pelas primeiras dez semanas.

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Um deles não evoluiu, e Dani seguiu com a gravidez gemelar de dois. Com 20 semanas de gestação de duas meninas, o colo uterino de Daniele se abriu. Há alternativas que poderiam ter ajudado, como a cerclagem uterina (procedimento cirúrgico que consiste em suturas ao redor do colo do útero) ou a colocação de um anel (também no colo do útero, para prevenir o parto prematuro), mas a gestante não sabia nada sobre isso.

Filipa, em cima, e Anita, embaixo - em imagem de ultrassom durante a gestação
Filipa, em cima, e Anita, embaixo - em imagem de ultrassom durante a gestação Imagem: Arquivo Pessoal

Quatro dias depois, em casa de repouso absoluto, Dani começou a ter muita cólica, correu para o hospital, e foi quando descobriu que a primeira bebê já tinha passado a cabeça no colo.

O médico que me atendeu foi muito herói, ele me ouviu quando disse pra fazer o impossível, e eu fiquei 18 dias acamada, sem poder me mexer, tentando salvar as bebês.Daniele Martins, executiva e consultora financeira

Na vigésima terceira semana, o coração de Anita parou de bater e a bolsa da Filipa havia furado: elas tiveram que nascer. Uma com 23 semanas e um dia, outra no dia seguinte. A primeira, Anita, nasceu já sem vida, a segunda, Filipa, sobreviveu, por nove horas. Do parto traumático, ficaram lembranças tristes, anestesiantes e também transformadoras.

Perdi muito sangue na curetagem e vi coisas que não sei se são deste mundo ou de outro. Quando saí do hospital, do parto das gurias, depois de 18 dias deitada numa cama, sem abrir a janela, o vento tocou em mim, e senti na minha alma que aquilo não podia ser só meu, eu não tinha passado por tudo aquilo à toa. É como se eu tivesse entendido que minha história não pertence só a mim.Daniele Martins, executiva e consultora financeira

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Perda de mais um filho e de sua mãe

Dani Martins se despedindo da barriga
Dani Martins se despedindo da barriga Imagem: Arquivo Pessoal

Nos meses seguintes, afastada (porque tinha direito à licença-maternidade), Daniele passou a buscar respostas internas e espirituais. Voltou ao trabalho seis meses depois, quando sua parceira de escritório, grávida, saiu de licença. "Fiquei com uma bomba nas mãos. Era diretora dessa empresa global, tinhama anunciado a pandemia e eu ainda vivia num mundo paralelo", recorda.

Para ajudar, sua mãe, que havia sido internada por questões de saúde, piorou a ponto dos médicos avisarem que não havia mais o que ser feito. "Nesse tempo, fui pra casa e no outro dia de manhã acordei com muita dor. Fui para o hospital e descobri que estava grávida de novo, outra gravidez tubária, e tive que passar por outro procedimento de retirada da trompa, e junto, mais um filho."

Enquanto ainda se recuperava da cirurgia vivida no dia anterior, a mãe de Dani morreu. Para ela, até aquele momento, tudo tinha sido encarado com uma espécie de força de sobrevivência, do instinto de ter que ficar de pé. Mas esse novo período de luto foi, entre todos, o mais profundo: a depressão tomou conta.

Quando voltei para casa, coloquei a testa no chão e pedi para ser levada. Não sabia mais o que fazer.Daniele Martins, executiva e consultora financeiraDaniele Martins, executiva e consultora financeira

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Ressignificando a maternidade

Dani Martins escreveu nome de trigêmeas na praia
Dani Martins escreveu nome de trigêmeas na praia Imagem: Arquivo Pessoal

Depois disso, Dani começou a trabalhar com desenvolvimento de pessoas, se afastando da área financeira. Ela encontrou novos caminhos, transformando suas experiências traumáticas em apoio. Trabalha como mentora, guiando profissionais a partir de um olhar holístico para o equilíbrio entre carreira e vida pessoal.

Hoje, entendo que a maternidade é muito mais do que gerar filhos. É cuidar, acolher, transformar, é querer ser luz. A gente tem milhões de formas de viver, então por que eu vou ficar presa ao meu colo incompetente? Esse é o nome dado à minha condição, mas é só uma pequena parte de mim.Daniele Martins, executiva e consultora financeira

A dor não desapareceu, mas em meio a um longo processo de cura holística, guiado por naturopatia, terapias integrativas, muita conversa com a terapeuta, a executiva conta que percebeu que sua missão ia além da maternidade biológica. "Eu desisti da maternidade, mas nunca da maternagem", explica.

Amparada pelo seu marido, decidiu deixar de ser uma tentante, mas ainda tem óvulos congelados. O que será feito com eles, não sabe. O recado que deixa é que 'é possível se reconstruir e encontrar propósito em tudo o que nos acontece'.

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Se você se identificou com essa história ou busca apoio para questões relacionadas à maternidade ou infertilidade, procure redes de apoio e profissionais especializados. Você não está sozinha.

3 comentários

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Camilla de Vilhena Bemergui

Um grande abraço e a certeza de que nada foi em vão. 

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Edson Luiz Joia da Mota

Você vai conseguir, Dani! Estamos com você! Abraços daqui de Natal-RN.  P.s.: pode colocar o seu óvulo e o espermatozoide do seu marido em outra barriga.

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Roberto Santos de Moura

Kkk, não sabia que a nova geração tinha um significado espeficico para a palavara "TENTANTE", vou ter que tomar cuidado daqui para frente se for usar essa palavra, pois alguém pode se ofender se eu usar para tentar relacionar a algum outro tema.

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