'Filmar comida é complicadíssimo', diz diretor de 'Estômago 2'
Alguns prazeres da vida tardam mas não falham. É o caso de "Estômago 2 - O Poderoso Chef", continuação de um dos filmes cult mais emblemáticos do novo cinema brasileiro, que estreia dezesseis anos após o lançamento do filme original. Como toda boa sequencia, os riscos são maiores - e, nesse caso, o menu também.
"O novo filme tem muito mais comida que o primeiro", aponta o diretor Marcos Jorge. "Quando chegava a demanda do departamento de arte para as cenas com comida, era tudo multiplicado por três." Ele explica que o volume obedecia certos requerimentos: a comida tinha de estar sempre quente e ela tinha de ser boa! "Tem de ter respeito", continua. "Cozinhar é uma arte, e cozinhar para o cinema mais ainda."
"Estômago 2" abraça a passagem do tempo cronológica entre os dois filmes. Nessas quase duas décadas, o cozinheiro Raimundo Nonato (João Miguel) se estabeleceu como chef da penitenciária, servindo não só ao diretor do presídio e aos guardas, mas também caprichando na dieta de Etcétera (Paulo Miklos), sobrevivente dos eventos do filme de 2007, agora chefão entre os detentos.
A rotina muda com a chegada de Dom Caroglio (Nicola Siri), capo de uma família mafiosa da Itália, deportado para cumprir pena no Brasil. O que começa como uma relação amistosa entre as duas facções aos poucos escala para um estado de guerra que ameaça romper o equilíbrio culinário alcançado por Nonato.
No intervalo entre as duas produções, Marcos Jorge observou a renovação do público de "Estômago", que teve um início modesto no cinema em 2007 e cresceu no boca a boca, ganhando adeptos a cada nova plataforma. "O filme passou do cinema para o dvd e explodia sempre que era disponibilizado de forma clandestina no YouTube", lembra o diretor. "O processo para criar o novo filme começou cerca de oito anos depois do primeiro filme, e a gente levou o tempo que o roteiro precisava para amadurecer."
Claro que o cinema em 2024 é um animal diferente do cinema em 2007, e essas mudanças foram incorporadas. "Houve uma clara atuação tecnológica, com um olhar mais cuidadoso com os muitos efeitos especiais", continua. "Mas também houve a preocupação em conversar com o público do cinema de hoje, como uma atenção maior com os personagens femininos."
Nicola Siri praticamente rodou dois filmes em "Estômago 2": todas as cenas no presídio e todo o prólogo, mesclado na montagem, que narra os eventos na Itália que o trouxeram ao Brasil. "O Marcos me deu um personagem que não é o insuportável italiano clichê", diverte-se o ator, que tem mãe brasileira e pai italiano. "Ele me deixou muito próximo de todo o processo justamente para ter essa verossimilhança."
Rodado na Itália e no Brasil, "Estômago 2" capricha na oferta dos banquetes. "Recebi recentemente uma mensagem do Festival de Cinema de Roterdã perguntando se uma sessão de 'Estômago' seguida de um banquete havia sido autorizada", diz Marcos. "Essas sessões temáticas são rotineiras. A edição holandesa do DVD traz um livro com todas as receitas."
O clímax do filme, uma feijoada com uma família de mafiosos na Itália, foi um dos momentos mais desafiadores da produção. "Feijoada não é comum na Itália, e os atores eram todos muito sofisticados", lembra o diretor. "Mas feijoada a gente sabe como é, e as reações naturais do elenco eram as mais divertidas, mas sempre com muita elegância."
Tanta fartura provocou um aviso necessário para os atores, tanto no Brasil quanto na Itália: não comam antes de chegar no set. A tentação de um menu saboroso era grande. Quem parecia imune era justamente o personagem de Paulo Miklos. "O Etcétera é quem melhor mostrou a passagem do tempo", recorda o ator. "Ele começa flácido, acomodado, antes de ser desafiado e voltar à velha forma."
Marcos Jorge logo completa: "O Etcétera se deu mal porque ele come pouquissimo!". "Mas eu cozinho", emenda rapidinho Paulo Miklos.
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