'Presença': Steven Soderbergh faz experiência esperta com o sobrenatural
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"Presença" tem toda pinta de filme de terror indie, em que um diretor iniciante espreme seu orçamento para garantir alguns sustos na esperança de fazer barulho e, quem sabe, conseguir respirar em seu projeto seguinte. Não é o caso. Quem se coloca atrás da câmera aqui é o veteraníssimo Steven Soderbergh. Mesmo com um punhado de blockbusters no currículo, ele segue com coração de artista independente.
Essa espécie de volta às raízes é compreensível. Soderbergh começou com o drama "sexo, mentiras e videotape" em 1989, renovando o interesse do mercado no cinema independente. Não demorou para ele trabalhar com grandes estúdios em grandes filmes como "Irresistível Paixão", "Erin Brockovich" e "Traffic", que lhe rendeu o Oscar de melhor direção. A trilogia iniciada com "Onze Homens e Um Segredo" solidificou seu status como diretor "comercial", mesmo que isso nunca fizesse parte de seus planos.
Claro que alguns de seus trabalhos, como "Contágio" e "Magic Mike", encheram os cofres de seus produtores. Mas Soderbergh sempre colocou a experiência cinematográfica — a forma como os filmes são criados e apresentados — acima de resultados financeiros. Quando o cinemão finalmente tornou-se um grande supermercado de marcas, o diretor sentiu-se aliviado da pressão do "fim de semana de estreia" e seguiu investigando à sua maneira o que faz cada gênero funcionar.
"Presença" é parte dessa exploração, desta vez dentro da estrutura do cinema de terror — mais especificamente do subgênero da casa assombrada. Nessa história assinada por David Koepp ("Jurassic Park", "Homem-Aranha"), uma família se muda para o subúrbio sem saber que seu novo lar é ocupado por um fantasma, a "presença" do título. Enquanto a mãe (Lucy Liu) parece pragmática e controladora, o pai (Chris Sullivan) é passivo e indeciso.
Tyler (Eddy Maday), o filho mais velho, é um atleta arrogante que busca tão somente ascensão social, enquanto sua irmã mais nova, Chloe (Callina Liang) é retraída, em luto pela morte de sua melhor amiga. É justamente com a jovem que a presença estabelece uma conexão, relação que acentua não só a deterioração do núcleo familiar como se mostra crucial para fazer do clímax uma reflexão sobre a natureza do mal.

Soderbergh arrisca uma abordagem low tech com o material, dispensando a pirotecnia que geralmente acompanha o gênero. "Presença" não se emparelha com o filme de terror tradicional, inclinando-se para o mistério metafísico. Existe o fascínio pelo sobrenatural, claro, mas o diretor dispensa sustos fáceis, como em "Atividade Paranormal", em favor de construir o suspense lentamente em uma atmosfera densa.
Para acentuar o clima angustiante, Soderbergh optou por rodar "Presença" inteiramente sob o ponto de vista de seu poltergeist. Flutuamos com ele entre os cômodos, subindo e descendo escadas, ocasionalmente interagindo com o mundo físico. É sob seu olhar invisível, traduzido em cenas rápidas construídas em plano-sequência, que o diretor nos torna testemunhas e cúmplices de uma família em erosão. Voyeurs de um psicodrama.
Essa subversão da estrutura do terror prova que, não importa o gênero, o orçamento ou a plataforma, o interesse de Steven Soderbergh se mantém no que cinema busca de mais importante: a radiografia da condição humana em suas infinitas manifestações. É o mesmo ímpeto que ele revelou há mais de três décadas em "sexo, mentiras e videogame". A mesma teia de relações pessoais desenhada sob o manto do cinema de espionagem que ele teceu em "Código Preto".
Essa liberdade de experimentar formatos dentro de estruturas estabelecidas deixa seu cinema não só muito atraente, mas também extremamente estimulante. O mais importante: Soderbergh é econômico e não perde tempo com firulas e malabarismos. O plano-sequência é uma ferramenta, não uma muleta. E funciona: além de ser uma experiência que rasteja para debaixo de sua pele, "Presença" é uma aula de eficiência cinematográfica.
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