Flavia Guerra

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Opinião

Como 'Ainda Estou Aqui' chegou ao Oscar e o que aprendemos com isso?

"A trajetória do filme pelo mundo foi construída por uma família muito pequena de pessoas, sem festas ou jantares, falando sobre o que importa: cinema", declarou Walter Salles sobre as três indicações de "Ainda Estou Aqui" no Oscar 2025.

É isso! E a força do cinema clássico, austero, mas belo, como disse Selton Mello, potente e sem clichês —citando Fernanda Torres, que afirmou que Eunice é uma mulher sem clichês e, isso, é uma dádiva para uma atriz.

Estamos tão acostumados a bater na trave do Oscar, mesmo tento ótimas produções nos representando, que, quando um filme é indicado não só na categoria internacional e melhor atriz, mas também na inédita de melhor filme, nos perguntamos: mas o que foi que ocorreu para chegarmos aqui?

Ocorreu o caminho citado por Walter Salles. Temos uma produção liderada por um diretor meticuloso, por produtores excepcionais, como Maria Carlota Bruno e Rodrigo Teixeira, além da produtora associada Daniela Thomas. Uma equipe técnica primorosa, um roteiro construído com tempo e cuidado, uma direção em que "menos é mais", uma montagem sóbria e precisa, um livro inspirador e, claro, uma protagonista em estado de graça.

Fernanda Torres e seu Globo de Ouro de Melhor Atriz
Fernanda Torres e seu Globo de Ouro de Melhor Atriz Imagem: Reprodução

Mas tudo isso não basta. Não basta que "Ainda Estou Aqui" seja um ótimo filme. Esse é só o ponto de partida. É preciso posicioná-lo em um grande festival, como Veneza. Levar um prêmio, no caso o de melhor roteiro (de Murilo Hauser e Heitor Lorega). Ter um lançamento nacional e internacional com investimento que coloque o filme na mira dos espectadores, com debates internacionais conduzidos por padrinhos como Sean Penn, Alfonso Cuarón, Valeria Golino, Olivier Assayas, Alice Braga, Alexander Payne, Wim Wenders, entre outros.

Mas tudo isso não basta também. É preciso uma campanha robusta e bem realizada, com verba necessária disponível, pois esse posicionamento internacional custa e muito. Neste caso, encabeçada pela Sony Classics. É preciso um trabalho de relações públicas e assessoria de imprensa, que pense nacional e internacionalmente, que pense bem as estratégias de divulgação, entrevistas, entre outras ações. E neste caso, o trabalho da equipe de "Ainda Estou Aqui" mais uma vez foi impecável e inteligente. Também é necessário que a mídia, principalmente a internacional, também se engaje nessa jornada, que veja o filme, publique entrevistas, críticas, artigos, ensaios e posts nas redes sociais.

Fernanda Torres em entrevista a Jimmy Kimmel, um dos principais apresentadores de TV dos Estados Unidos
Fernanda Torres em entrevista a Jimmy Kimmel, um dos principais apresentadores de TV dos Estados Unidos Imagem: Reprodução/YouTube

É necessário também, hoje, quando as campanhas são tão diferentes de 1995, quando "Central do Brasil" concorreu, que haja engajamento nas redes sociais, alavancando a divulgação do filme, despertando a curiosidade do público internacional, que vai procurar saber "quem é aquela atriz que está bombando nas redes e cujo fã-clube é ferrenho". É preciso ainda ser indicado em premiações importantes da temporada, como o BAFTA, o Globo de Ouro, o Critics Choice Awards, o Goya, que validam, sim, ainda mais uma campanha consistente.

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Por fim, é preciso o olhar atento e a coragem dos votantes, como foi o caso da imprensa e crítica internacional que premiou Fernanda Torres com o Globo de Ouro. É neste ponto da jornada que estamos agora.

É aqui que estamos quase respondendo a pergunta que surge todo ano: "Mas o que falta para o Brasil ganhar um Oscar?". Além dessa soma de fatores para que a conta dê certo, agora é a hora de reforçar todo o trabalho feito e descrito acima. Mas, mais do que nunca, é preciso um olhar com frescor dos quase 10 mil membros da Academia de Ciências Cinematográficas, que votam no Oscar, espalhados em vários países do mundo.

É preciso ver "Ainda Estou Aqui", avaliar que Demi Moore está impecável em "A Substância" e que, apesar da narrativa adorada por Hollywood de "a vida imita a arte e a atriz dá a volta por cima", Fernanda Torres está sublime com seu sorriso que é mais forte que tudo e sua austeridade que não revela sua dor e nem sua ternura. Mas a dor e a ternura estão ali durante o filme todo. Fernanda ocupa a tela do cinema como nunca.

Que os votantes possam assistir e reassistir ao filme com olhos livres. É importante lembrar que todos esses fatores acima citados são essenciais para uma campanha de sucesso. Mas é crucial não esquecer que, acima de tudo, estamos falando de cinema.

E, como já é um bordão, o Brasil faz o melhor cinema brasileiro do mundo e, com Oscar ou sem Oscar, nos próximos anos, com políticas públicas que incentivem nossa produção, com coproduções com investidores diretos, com outros países, com bons filmes e uma campanha certeira, nosso cinema ainda estará aí, nas telas do mundo e, sobretudo, de seu próprio país.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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