Rosana Santos

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Opinião

50 anos em cinco: uma nova chance na transição energética

O acirramento das mudanças climáticas e a consequente urgência da transição energética global são uma oportunidade para o Brasil dar um salto de desenvolvimento socioeconômico comparável apenas às condições do governo de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961.

Os atuais desafios climáticos estão entre os maiores da história recente da maioria dos países. Além de lidar com os riscos crescentes do aumento dos eventos extremos, é necessário descarbonizar suas matrizes energéticas e elétricas, o que implica desembolsos, que, em muitos casos, são a fundo perdido, num contexto de fragilidades econômicas e fiscais.

Nosso país, por sua vez, é um dos poucos que pode se dar ao luxo de se beneficiar desse cenário, numa condição particular que dificilmente se repetirá. É que, embora ainda tenhamos muito o que fazer para dispor de uma matriz energética totalmente limpa, na prática já fizemos a transição em que a maioria dos países ainda engatinha.

Diferentemente de hoje, em que a necessidade de transformação energética se dá pela urgência em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, nossa transição começou há mais de 50 anos, impulsionada pela escassez de recursos fósseis.

Em meio às crises do petróleo dos anos 1970, a grande maioria dos países foi em busca de novas reservas do recurso. Mas, diante de resultados pouco animadores, nosso país teve de investir nas alternativas disponíveis — um movimento motivado pela escassez, mas que, na prática, gerou benefícios estruturais de longo prazo.

Onde muitos viram crise, o Brasil enxergou oportunidade: no setor elétrico, a prioridade foi a intensificação do aproveitamento do potencial hidrelétrico do país, enquanto o abastecimento de combustíveis foi favorecido pelo desenvolvimento do programa de etanol.

Além disso, a partir dos anos 2000, foi a vez de o país investir nas novas fontes renováveis. Destaque nesse sentido para o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas), que estimulou o desenvolvimento da energia eólica, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas.

Os estímulos à energia solar, por sua vez, começaram nos anos 2010, por meio de subsídios para a instalação de sistemas de geração distribuída e de usinas solares de grande porte, numa sistemática que tem pressionado cada vez mais os custos finais da energia pagos pelos consumidores.

Esse enorme investimento da sociedade brasileira combinado ao potencial ainda não explorado de fontes renováveis do país nos coloca entre os protagonistas da transição para uma economia global de baixo carbono.

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Com tais condições, podemos assumir um protagonismo climático, — desde que esse protagonismo seja coerente também no plano interno, com proteção ao consumidor, justiça tarifária e vigilância sobre os custos da transição —, apoiando outras nações na urgente descarbonização de suas economias.

O principal movimento nesse sentido deve ser a retomada da participação da indústria na economia nacional, invertendo a retração observada nas últimas décadas. Dados do Banco Mundial mostram que a participação do setor encolheu de 46% do PIB em 1984 para cerca de 20% em 2022.

A estratégia para tanto deve ser composta por iniciativas que combinem a descarbonização da indústria existente, o desenvolvimento de novos segmentos industriais e cadeias de suprimento, a promoção internacional dos nossos produtos com baixa pegada de carbono e a atração de novos investimentos fabris para o país.

Os itens industriais envolvidos nessa equação podem inclusive ser bens intermediários, como o ferro esponja ou o silício metálico. Tais itens, que demandam grandes volumes de energia, se fabricados com energia limpa, contribuem para a descarbonização de países que hoje lançam mão da sua fabricação com fontes fósseis, ao mesmo tempo em que ampliam o valor agregado das exportações brasileiras.

Essa vantagem também torna o Brasil um porto atraente para novos investimentos, na medida em que se soma aos demais atributos do powershoring, como a oferta de mão de obra qualificada e infraestrutura.

Tal transformação depende, no entanto, de uma posição proativa do país nessa direção. Além de estímulos à produção industrial por meio de programas como o Nova Indústria Brasil, é preciso promover nossas vantagens competitivas em termos de energia limpa lá fora, como forma de abrir novos mercados e atrair investimentos.

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Ao mesmo tempo, precisamos fortalecer nossas rotas de descarbonização, de modo que outras nações compreendam que é possível fabricar biocombustíveis sem ampliar o desmatamento e, no caso do carvão vegetal sustentável, até recuperando áreas degradadas.

O mesmo vale para o hidrogênio de baixas emissões, que podemos produzir com os mesmos predicados ambientais a partir da reforma da biomassa, e não apenas por meio da eletrólise vinculada à energia elétrica gerada com energia solar e eólica.

Mas não podemos dar a qualidade das nossas matrizes como garantida: temos de nos manter vigilantes para não comprometer sua renovabilidade por meio da contratação de novas usinas térmicas, nem correr o risco de ampliar o lock in tecnológico de novos investimentos na infraestrutura de petróleo e gás natural, como gasodutos de transporte, cujo prazo de amortização seria de várias décadas e implicariam aumento nos custos pagos pelos consumidores por muito tempo.

Nos anos 1950, o Brasil soube aproveitar o otimismo global do pós-guerra em torno da industrialização, atraindo investimentos produtivos e expandindo de maneira considerável sua infraestrutura.

Agora, mais uma vez as transformações internacionais nos colocam diante de uma janela de oportunidade de nos sobressairmos, desta vez com a neoindustrialização verde do nosso país.

Mas essa janela não ficará aberta para sempre. O risco de perdermos o bonde da história é real, e a chance de transformar nosso potencial em protagonismo concreto pode se esgotar sem uma ação coordenada e ousada desde já.

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Sem dúvida que, nos últimos anos, o país deu passos importantes nessa direção por meio da evolução dos arcabouços legais e regulatórios relativos ao tema, bem como à frente do G20. Na organização da COP30, é hora de consolidarmos esse protagonismo. Trata-se de um processo desafiador que precisa ser socialmente justo e é fundamental para garantirmos, com coragem e coerência, os 50 anos em cinco deste século.

* Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

7 comentários

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Passe numa rua sem árvores em tarde de sol quente. Logo em seguida passe em uma rua arborizada. A diferença de temperatura vai ser de quantos graus? Cinco? Três? Dez? Aí está! Vai ser de muitos graus! Então, a solução para o planeta: árvores, milhões, bilhões, trilhões de árvores. JÁ! Programas intensos de governos e iniciativa privada visando a florestar e reflorestar áreas degradadas e também partes de pastagens (para proteção do gado) e áreas agrícolas (para manter a umidade do solo e do ar). Árvores são riqueza, alimento, matéria prima para indústria, proteção da fauna e flora, equilíbrio ambiental, purificação do ar, e o que mais? PENSEM!

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Fernando Fonseca

as narrativas forçadas da transição energética, que não se fundamenta em nada

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José Ricardo Alexandre Mendes

Muito importante a delimitação de distância mínima e estudo de impacto em áreas residenciais dessas turbinas eólicas. Causam muito prejuízo à qualidade de vida de pessoas que moram próximas.

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