Rosana Santos

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Opinião

COP30 é chance para Brasil liderar nova dinâmica econômica global

As relações geopolíticas internacionais se basearam, nas últimas três décadas, no Consenso de Washington, uma doutrina que pressupõe uma interferência mínima do Estado nas economias e, em termos globais, uma busca pela alocação mais eficiente dos recursos com base na especialização dos países.

Por muito tempo acreditou-se que esse sistema proporcionaria uma aceleração do crescimento econômico médio e garantiria melhores condições de estabilidade macroeconômica. De maneira geral, no entanto, o modelo não alcançou os efeitos desejados, em particular quanto às condições socioeconômicas da grande maioria dos países do Sul Global, que seguem extremamente desafiadoras.

O fato é que, na divisão entre os países, à maior parte desse bloco coube a condição de fornecedores de matérias-primas de baixo valor agregado. No caso brasileiro, tal dinâmica contribuiu para a decadência da participação da indústria no PIB nacional da faixa de 40% para em torno de 10%, num processo também marcado pela redução da complexidade dos produtos fabricados por aqui.

A falência desse paradigma - que fica ainda mais nítida quando se observa o seu enfraquecimento nas próprias geografias que o promoveram - e sua absoluta falta de condição de lidar com os desafios impostos pelas mudanças climáticas exigem uma nova reorganização internacional.

Um modelo com ambição de promover uma melhora nas condições econômicas globais não pode deixar de endereçar o desenvolvimento efetivo das nações menos favorecidas do mundo. Essa reorganização passa por uma redistribuição das cadeias de produção e suprimento, com uma melhor distribuição de seus resultados, como a geração de postos de trabalhos e o crescimento econômico efetivo do Sul Global.

Ao sediar a COP30, o Brasil tem a chance de liderar o Consenso de Belém, promovendo uma nova dinâmica entre Norte e Sul baseada na descentralização do desenvolvimento econômico, na redistribuição das cadeias produtivas com foco na redução de emissões de carbono e na geração equilibrada de empregos de qualidade em escala global.

Não se trata apenas de redistribuir benefícios hoje concentrados nos países mais desenvolvidos, mas de reconhecer o papel estratégico das nações mais pobres no enfrentamento das mudanças climáticas — um desafio que afeta tanto ricos quanto pobres. Com abundância de fontes renováveis de energia, os países em desenvolvimento têm o potencial de acelerar a descarbonização global e redefinir o equilíbrio econômico mundial.

Nesse contexto, é imprescindível que o processo de neoindustrialização dos países do Sul seja verde, ou seja, baseado prioritariamente em energia de baixo carbono. A oferta de energia segura, competitiva e renovável deve justamente ancorar novos investimentos produtivos, por meio do powershoring - o termo cunhado pelo professor Jorge Arbache se refere justamente à promoção do crescimento econômico ancorada nas nossas vantagens comparativas e competitivas e no nosso capital natural.

Além disso, embora internacional, tal dinâmica não deve se valer apenas de acordos comerciais entre as nações: pressupõe uma organização interna das economias, de modo que promovam políticas públicas em favor do aumento da competitividade.

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Para esse novo consenso avançar, é necessário estabelecer previamente, nos países, objetivos factíveis, regras claras e um rigoroso sistema de contrapartidas para setores eventualmente beneficiados. Isso reduz os riscos de captura dessas iniciativas por grupos de interesse e garante uma contribuição efetiva ao desenvolvimento e respeito às condições ambientais tanto em termos locais como globais. Além disso, esse modelo econômico tem de lidar com os dilemas da sociedade atual, como o crescimento da desigualdade, as mudanças climáticas e o aumento do custo de vida.

Por fim, a realidade exige uma atuação mais efetiva do Estado como indutor do desenvolvimento, incluindo investimentos em pesquisa e desenvolvimento em setores estratégicos, implantação de parcerias público-privadas e uso de compras públicas em favor da produção e mercado internos. Mas, claro, o ideal é que tais movimentos sejam acompanhados de mecanismos de condicionalidade, de modo que os resultados obtidos não fiquem concentrados apenas nas empresas responsáveis por sua aplicação, mas sejam maximizados na forma de benefícios sociais.

Como destacou o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, em carta publicada nesta semana, nas conferências climáticas anteriores navegamos guiados pela "Estrela do Norte", ou seja, a estrela polar do Norte, que é visível apenas naquele hemisfério e sempre indica tal direção.

"À medida que a COP30 se desloca para o hemisfério Sul, olhamos para o céu e encontramos as cinco estrelas do "Cruzeiro do Sul" como nossa bússola para alcançar inflexões decisivas em todos os cinco pilares da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) - mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação", escreve o embaixador. Que essa bússola nos guie rumo ao Consenso de Belém.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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