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OPINIÃO

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'Bigodão' de Alisson é publi ou ação social? Os dois, aparentemente

Alisson Becker e Nicolas Prattes entram em campanha publicitária - Reprodução/ Instagram
Alisson Becker e Nicolas Prattes entram em campanha publicitária Imagem: Reprodução/ Instagram

Vanessa Henriques*

04/12/2022 06h00

O bigode do goleiro da seleção brasileira, Alisson Becker, chamou a atenção durante a estreia empolgante no mundial do Qatar, com direito ao gol plástico de Richarlison, o novo herói brasileiro de plantão.

Quem viveu a Copa de 2002, com o cabelo de Ronaldo Fenômeno, poderia pensar que se tratava apenas de uma escolha de estilo. O narrador na TV avisa: é uma ação do Novembro Azul — voltado para a conscientização sobre a importância da prevenção do câncer de próstata. A rede social apita: é uma ação da marca Gillette. Afinal, é publi ou ação social? Os dois, aparentemente.

O post de Alisson em uma rede social usa a hashtag #publicidade, e não esconde que é uma ação da marca, que criou a campanha Bigode Que Cuida e conta com outros embaixadores, ainda que menos estrelados. Há uma menção ao fato de que mais da metade dos homens brasileiros só procuram um médico quando não aguentam mais os sintomas (coisa séria e importante de ser dita), e um chamado genérico para que se tome uma atitude e procure um médico — tudo isso enquanto Alisson, conhecido por sua beleza caucasiana, faz poses no espelho com o novo visual. Os comentários nas postagens incluem muitos corações, emojis de foguinho, elogios à beleza do goleiro e algumas celebrações pela campanha.

Campanhas de conscientização são importantes e podem trabalhar com muita inteligência o poder da influência para fazer com que uma mensagem importante chegue mais longe. Nesse caso, qual seria a mensagem?

A marca publicou uma série de conteúdos da campanha, sempre com o chamado para que se procure um médico e, não menos importante, compartilhe os vídeos e participe do "bigodaço". Ao se colocar tudo no mesmo balaio, resta a dúvida sobre o real impulso para uma mudança de comportamento. Se os homens nem falam sobre o assunto, vão se engajar ativamente numa campanha publicitária?

No site e perfis das redes sociais da Gillette não há nenhuma indicação de que a marca vá realizar uma doação para organizações da sociedade civil que trabalham com pacientes de câncer de próstata, como já nos acostumamos a observar quando falamos do Outubro Rosa.

Também não encontramos nenhuma informação mais profunda sobre prevenção, riscos da negligência ou um material prático para conversar com um médico sem constrangimentos. Não coloca o dedo na ferida óbvia da homofobia, que impede o avanço dos diagnósticos precoces e da cura.

Algumas dúvidas ficam no ar: a voz e o bigode de Alisson são tão relevantes a ponto de mudar um comportamento arraigado com poucas palavras sobre o assunto, ou seria mais uma moeda no pote da sua imagem de galã? O esportista recebeu cachê por essa ação? Ele foi doado? O engajamento com o material da campanha favorece a marca e a causa em igual medida?

Não podemos ignorar a força do exemplo — neste quesito o próprio Richarlison é um bom caso de sucesso: o atacante do Tottenham já revelou que doa 10% do seu salário e adotou uma onça-pintada de projeto de preservação do Pantanal, entre outras ações —, mas também não dá para colocar só na sua conta uma transformação pouco provável. Atletas, celebridades e influenciadores podem fazer muito mais pelas causas sociais, e as marcas também.

Já passamos do momento em que qualquer ação social precisa ser celebrada sem críticas, para não correr o risco de serem ainda menos numerosas. Os consumidores querem mais, a sociedade precisa de mais, então é preciso fazer parte da liga dos grandes. A régua precisa ser o impacto social — que é mais trabalhoso de arquitetar do que uma peça de propaganda e bem menos sedutor, mas realmente transforma a vida das pessoas.

A publicidade é uma grande aliada para chamar atenção para o que importa — um dos méritos da ação é justamente não esconder que se trata de um anúncio. Exatamente pelo seu poder, precisa estar conectada com uma ação forte, digna de holofote. Queremos ver mais #publisocial por aí, mostrando quem está preparado para jogar em um mundo cheio de problemas, sem se furtar a encontrar lances de craque.

*Vanessa Henriques, de São Paulo, é gerente executiva do Instituto MOL e coordenadora do Guia MOL de Produtos Sociais. Formada em Relações Internacionais pela Universidade São Paulo, atua com comunicação há quase 10 anos e, desde 2020, coordena iniciativas em prol da cultura de doação no Brasil, como o podcast Aqui se Faz, Aqui se Doa e a série Encontros Doar.