Você acumula fotos e memes? Excesso digital pode estar te deixando ansioso

Enquanto escrevo este texto, tenho abertas em meu navegador 23 abas. Minha caixa de entrada tem 4.170 e-mails não lidos (fora aqueles da caixa de spam). São 3.030 arquivos no computador, 10.836 fotos e 1.590 vídeos no meu smartphone. Se me sinto angustiado? Com certeza! Lidar com a organização de tanto conteúdo digital não é fácil. E sei que não estou sozinho nessa situação.

O mundo moderno está imerso em uma explosão de dados digitais, gerados a uma velocidade impressionante. Estima-se que, atualmente, cerca de 402 trilhões de megabytes sejam criados todos os dias.

Com a facilidade de acesso a dispositivos e plataformas digitais, a acumulação de dados tornou-se um hábito quase inevitável. Fotos, vídeos, e-mails, documentos e aplicativos se amontoam em nossos dispositivos, muitas vezes sem que percebamos. Esse comportamento, embora aparentemente inofensivo, pode levar a uma sobrecarga digital, dificultando a busca por informações relevantes e gerando uma sensação de desordem que afeta a produtividade e o bem-estar.

Mais: a acumulação digital, quando não gerenciada, pode evoluir para um problema mais sério, com impactos potenciais na saúde mental.

Imagem
Imagem: istockphoto

O que é acumulação digital?

Para entender a acumulação digital, é necessário conhecer sua relação com o Transtorno de Acumulação, reconhecido pelo DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) em 2013 como um diagnóstico independente no grupo dos Transtornos Obsessivo-Compulsivos. Antes disso, era considerado um sintoma associado a outros transtornos.

O Transtorno de Acumulação caracteriza-se pela dificuldade persistente de descartar itens, causada pela necessidade de guardá-los, resultando em congestionamento de espaços físicos e prejuízo significativo em vários aspectos da vida pessoal e profissional.

Já o termo "acumulação digital" surgiu em 2015 em um estudo publicado no British Medical Journal,que relatou o caso de um homem com autismo e transtorno de acumulação conhecido por registrar até 1.000 fotos digitais por dia. Ele enfrentava dificuldade em descartar as imagens, dedicando até quatro horas diárias para organizá-las, com armazenamento em quatro memórias externas.

Continua após a publicidade

O estudo traçou um paralelo entre a acumulação digital e a física, destacando o impacto emocional e o esforço envolvidos no manejo dos arquivos virtuais, o que foi comparado à organização de objetos físicos.

Os pesquisadores classificaram a acumulação digital como o acúmulo de arquivos digitais até o ponto de perda de perspectiva. Já outros estudiosos a definem como a natureza de um indivíduo adquirir constantemente conteúdo digital, sentindo dificuldade em descartar esse conteúdo (fotos, documentos ou memes, por exemplo) e acumulá-lo sem um propósito pretendido.

Definição como transtorno está em estudo

Desde 2015, e intensificado pela digitalização pós-pandemia, o conceito de acumulação digital tornou-se mais amplamente discutido. Apesar disso, o DSM-5-TR, lançado no Brasil em 2023, não incorporou esse comportamento na definição formal do Transtorno de Acumulação, mantendo a ênfase em objetos físicos, ainda que o cenário digital continue sendo explorado em novas pesquisas.

Uma delas é um estudo australiano de 2018 conduzido com 846 participantes que apresentavam sinais de acumulação digital. As análises revelaram que a condição, semelhante à do transtorno de acumulação tradicional, pode causar níveis mais altos de estresse pessoal.

A conclusão do estudo revelou ainda que a acumulação digital está frequentemente associada a uma sensação de segurança e controle, mas também pode gerar ansiedade e dificuldade em gerenciar o volume crescente de dados.

Continua após a publicidade

Já um outro estudo, publicado na ScienceDirect, reforça que, assim como na acumulação tradicional, a digital também pode estar ligada a transtornos como ansiedade e TOC, exigindo atenção e intervenções adequadas.

Em uma pesquisa realizada com funcionários em duas grandes organizações que exibiam muitos comportamentos de acumulação digital, por exemplo, o psicólogo Nick Neave, diretor do Grupo de Pesquisa sobre Acumulação da Universidade de Northumbria, na Inglaterra, identificou junto com colegas quatro tipos de acumuladores digitais:

Colecionadores: são organizados, sistemáticos e controlam seus dados.

Acumuladores acidentais: são desorganizados, não sabem o que têm e não têm controle sobre isso.

Acumulador por instrução: mantém dados em nome de sua empresa (mesmo quando poderia excluir boa parte deles).

Acumuladores ansiosos: têm fortes laços emocionais com seus dados —e estão preocupados em excluí-los.

Continua após a publicidade
Imagem
Imagem: Andrea Piacquadio/Pexels

Quando é preciso se preocupar?

Ter dificuldade em se desfazer de arquivos, fotos, vídeos, e-mails, entre outros dados que não tenham mais utilidade, pode ser visto como sinal de alerta. Normalmente, esses materiais são percebidos como coisas que poderão ter utilidade em um futuro incerto.

Esse comportamento pode ser considerado um problema quando passa a interferir no funcionamento diário do indivíduo como, por exemplo, gerando ansiedade, estresse e, principalmente, dificuldade em tomar decisões a respeito do que deve ser deletado ou excluído. Cristiano Nabuco, psicólogo, PhD em psicologia clínica de dependências tecnológicas e presidente da Associação Matera: Sustentabilidade e Bem-Estar Digital.

Também é preciso ficar alerta quando houver dificuldade em encontrar documentos ou informações importantes devido à desorganização do armazenamento digital, muitas vezes levando a procrastinação de tarefas importantes e perda de produtividade.

No entanto, ter milhares de fotos em pastas em nosso computador, e-mail cheio e uma área de trabalho do laptop desorganizada não torna alguém um acumulador digital. Cada caso deve ser visto como único e precisa ser avaliado por um profissional capacitado.

Continua após a publicidade

"O acúmulo digital tem uma característica que é difícil causar muito prejuízo. Isso vai ser um problema na medida que causa algum dano", pontua Aderbal Vieira Jr., médico psiquiatra responsável pelo ambulatório de tratamento de dependências de comportamentos do Proad, da EPM/Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo) - Campus São Paulo.

Leandro Groba, professor de psicologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e mestre e doutor em psicologia social pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), ressalta que o acúmulo patológico deve necessariamente envolver um sofrimento significativo ou ainda prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas significativas da vida do indivíduo. Sem eles, não dá para falar em Transtorno de Acumulação.

"No longo prazo, dependendo do que está sendo acumulado e caso o acumulador não esteja se tratando com um profissional da área, as consequências podem ser enormes. A capacidade de desorganização financeira, profissional e pessoal de um perfil acumulador sem tratamento é alta", alerta o psicólogo.

Como gerenciar e eliminar a desordem digital

Algumas estratégias podem ajudar a criar uma sensação de controle sobre o mundo digital e reduzir o estresse. Confira:

Construa uma rotina de organização: assim como algumas vezes tiramos um dia para organizar nosso guarda-roupas, nossos celulares, tablets, e-mails e computadores também precisam disso. Estabeleça uma rotina semanal, mensal ou bimestral para colocar seus dados digitais em ordem e facilitar a localização futura.

Continua após a publicidade

Coloque em quarentena: separe um tempo para analisar seus arquivos e colocar em quarentena em uma pasta a parte ao menos 30% daqueles que você acredita que não faz sentido guardar. Depois de 45 dias você volta a analisar se realmente precisa deles e os descarta (ou não).

Crie uma estrutura de pastas: desenvolva uma hierarquia lógica para armazenar seus arquivos. Por exemplo, crie pastas principais para categorias amplas (trabalho, fotos, documentos pessoais) e subpastas para dividir ainda mais. Até aplicativos podem ser organizados dessa forma.

Use ferramentas de organização: experimente softwares ou aplicativos como gerenciadores de e-mails, limpadores de arquivos duplicados ou organizadores de fotos para facilitar o processo de organização e limpeza.

Desative notificações e inscrições desnecessárias: cancele a assinatura de newsletters ou notificações que você não lê e limpe regularmente sua caixa de entrada. Ah, e nada de salvar para ler depois. É quase certo que não lerá.

Implemente a regra "1 dentro, 1 fora": para cada novo arquivo que você salvar, exclua um arquivo antigo. Isso ajuda a controlar o volume de dados acumulados.

Use o armazenamento em nuvem com moderação: faça backups regulares, mas evite usar a nuvem como um "depósito da bagunça". Mantenha também uma organização clara nos serviços de armazenamento online.

Continua após a publicidade

Pratique o desapego digital: pergunte a si mesmo: "Eu realmente preciso guardar isso?" Seja crítico ao decidir o que salvar e lembre-se de que o acesso a muitos dados é fácil e imediato atualmente.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.