Idosos viciados em celular: mente é afetada e há risco de cair em fake news

Passar várias horas por dia em frente ao celular, mesmo quando há outras tarefas a fazer, abandonar atividades que costumava ter prazer de realizar ou apresentar irritação quando está sem internet são indicativos de dependência da internet —e os idosos não estão imunes.

Pesquisa publicada na revista Frontiers in Psychiatry em 2022 aponta que o uso excessivo de redes sociais está diretamente associado ao aumento de sintomas depressivos em pessoas idosas, especialmente quando esse uso substitui atividades presenciais e vínculos sociais reais.

"Quando não tratado, esse tipo de vício pode piorar a saúde mental deles", afirma Aderbal Vieira Júnior, professor responsável pelo setor de tratamento de dependências de comportamento do Proad (Programa de Orientação e Atendimento aos Dependentes) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Para pessoas mais velhas, que não são nativos digitais, é mais difícil reconhecer que muitos vídeos podem ser montagens e que nem tudo que aparece de perfeito na vida das pessoas é real. Isso pode levar o idoso a desenvolver uma angústia de comparação entre sua vida e o que ele vê nas redes, sobretudo com relação à boa convivência familiar maquiada das redes sociais. Renata Maria Silva Santos, pesquisadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

Além disso, segundo Santos, diferente de crianças, cujo uso exagerado de tela gera aumento de sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), em idosos, o uso massivo da internet eleva risco de diagnóstico de nomofobia, um transtorno caracterizado pelo medo de ficar sem o celular ou sem aparelhos eletrônicos em geral.

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Imagem: Arte UOL

'Sem o WhatsApp parece que está faltando algo'

Joana*, 66, conta que resolveu desinstalar o aplicativo Facebook para tentar diminuir o uso do aparelho celular. "Não me considero uma viciada no celular, mas assim como muitas pessoas adquiri o hábito de mexer frequentemente nele. Com isso, resolvi diminuir."

A idosa lembra que quando tinha um telefone com fio não ficava tão preocupada em ficar olhando se ele estava tocando. "Hoje, não somente eu, mas quase todo mundo, ao sair de casa, a primeira coisa que normalmente se leva é o celular. É um hábito que adquirimos", conta ela, que diz gostar de usar o aplicativo de mensagens WhatsApp para conversar com familiares e se informar. "Sou muito curiosa, então tudo que tenho dúvida procuro na internet."

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Quem também usa com frequência o celular é Carlos Alberto Martinelli, 67, que tem o WhatsApp como seu aplicativo favorito. "Uso muito para falar bom dia e boa noite para os meus amigos."

Na semana em que foi entrevistado, Carlos estava há cinco dias sem acesso ao aplicativo. "Até agora não sei o que fiz para ficar pedindo várias vezes o número PIN no Whats. Lembro somente que após ter tentado colocar ele errado várias vezes, o aplicativo me bloqueou por sete dias. Agora, sem o WhatsApp parece que está faltando algo."

Questionado se ele se considera um dependente no aplicativo, Carlos diz que não. "Uso o aplicativo dentro do limite. Acredito que estou sentindo muita falta, pois é pelo WhatsApp que converso com meus amigos da pescaria. Nessa semana, muitos devem estar me mandando mensagem e notar que não estou respondendo."

A esposa dele, Cecília Fujimori, 62, diz também usar o celular, mas de forma mais moderada que o esposo. "Tem gente que fica horas [nos aplicativos], mas eu não consigo. Quando percebo que estou perdendo muito tempo no celular, já levanto, pois sei que tenho outras coisas para fazer."

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Imagem: CFOTO/Future Publishing via Getty Images

Conteúdos mais acessados

Segundo especialistas ouvidos por VivaBem, Facebook e WhatsApp são os aplicativos mais acessados pelos idosos. Sheyla Fernandes, professora do Instituto de Psicologia da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), observa que esses apps são muito utilizados por eles para manter contato com familiares e se informar. "Esse último ponto preocupa, pois é nesses ambientes que muitas vezes são compartilhadas desinformação e fake news que afetam a saúde mental e até as decisões relacionadas à saúde, como se vacinarem."

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Jogos virtuais de raciocínio e mais casuais, como candy crush, também têm se tornado populares entre pessoas com mais de 60 anos. "Também há muito interesse deles por vídeos curtos e engraçados, mas infelizmente, por falta de orientação, é comum que compartilhem desinformação sem perceber", aponta Álvaro Sena Filho, presidente e fundador da Abrati (Associação Brasileira de Apoio à Terceira Idade).

Entre 2019 e 2023, a porcentagem de idosos brasileiros que utilizam a internet passou de 44,8% para 66%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse aumento foi puxado, principalmente, durante o período de isolamento imposto pela pandemia da covid-19.

"A pandemia e o isolamento social aceleraram um processo que talvez demorasse um pouco mais para atingir as camadas mais velhas da população. Com isso, muitos idosos foram compelidos a utilizar a internet e se acostumaram", diz Santos. Segundo ela, agora, estamos colhendo os frutos, com muitos idosos ficando extremamente desconfortáveis quando estão sem conexão com a internet, assim como os mais jovens.

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Imagem: Getty Images

O que familiares podem fazer?

Santos orienta que o primeiro passo ao notar que algum idoso da família é dependente na internet é não entrar em conflito, mas buscar ampliar as oportunidades de socialização presencial com eles. "Atividades manuais ou ao ar livre, como jardinagem e trabalhos voluntários, mesmo que inicialmente o idoso pareça não gostar, com o tempo podem apresentar resultados positivos."

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Buscar as causas do uso excessivo também pode auxiliar na compreensão do que usar como apoio para soluções efetivas. "Geralmente, as causas estão relacionadas à solidão, dificuldade de acessibilidade a meios de entretenimento offline, ao tédio e, particularmente, a mudanças na rotina funcional ligadas à diminuição do ritmo das atividades cotidianas ao entrar na terceira idade", diz Fernandes.

Também é recomendado aos familiares:

Implementar uma rotina com momentos de lazer, interação social, com a prática de atividades cognitivas e físicas, de modo que o uso das redes sociais seja apenas uma parte dessa rotina pode ser bastante eficaz para reduzir o uso abusivo das redes e tecnologias.

Outra medida que pode surtir resultados positivos é promover momentos de interação social através de videochamadas, telefonemas e outros tipos de interação síncrona mediadas por tecnologia que ampliem a conexão de fato, evitando o uso de mensagens de texto e formas assíncronas de comunicação (se levarem a encontros presenciais, melhor ainda).

Também é importante implantar atividades alternativas que possam promover engajamento, interação social e motivação, como caminhadas coletivas, jogos de tabuleiro, leitura de livros (participar de clubes de leitura), aulas coletivas de artesanato, ou até atividades de voluntariado e participação em grupos comunitários.

Analfabetismo digital

Para o presidente e fundador da Abrati, o melhor caminho é o acolhimento, e não a crítica. "Sempre reforçamos que ensinar o idoso a usar a tecnologia com propósito é muito mais eficiente do que apenas apontar o que está errado."

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Segundo Sena Filho, o grande problema é que muitos idosos enfrentam uma espécie de analfabetismo digital. "São doutores, professores e profissionais que se tornaram analfabetos modernos por não conseguirem acompanhar a velocidade da tecnologia", diz. Para ele, é necessário um maior suporte de familiares ou amigos para ensinar essas pessoas a se inserirem na internet de forma segura.

Muitos idosos chegam até nós já mergulhados no ambiente digital, porém sem o conhecimento básico. E isso é preocupante. A pessoa começa usando redes sociais sem entender como configurar o aparelho, sem saber reconhecer golpes ou até mesmo sem saber utilizar recursos básicos de segurança, alguns não sabem o que é e-mail. Álvaro Sena Filho, presidente e fundador da Abrati (Associação Brasileira de Apoio à Terceira Idade)

No Brasil, projetos de alfabetização digital para idosos já são desenvolvidos, muitos oferecidos por instituições de ensino superior em parceria com o serviço de assistência à pessoa idosa. "Por isso, defendemos que nunca é tarde para aprender, e aprender com propósito pode transformar", defendeu Sena Filho.

*Nome alterado a pedido do personagem

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