Como funciona o tratamento que reverteu cegueira pela primeira vez na história

Pela primeira vez, cientistas conseguiram fazer com que pacientes com danos severos na córnea — parte transparente do olho que cobre a pupila — tivessem a visão restaurada graças a um transplante de células-tronco. O procedimento foi realizado em quatro pessoas, das quais três apresentaram melhora significativa e duradoura, enquanto o paciente com o quadro mais grave teve leve reversão após um ano.

Os resultados foram divulgados na revista científica The Lancet deste mês. Os pacientes tratados conviviam com deficiência de células-tronco limbares (LSCD, na sigla em inglês). Quando há falta dessas células, a córnea começa a ser coberta por tecido de cicatrização, perdendo a transparência e levando à cegueira. As razões para o quadro são traumas no olho, infecções como herpes ocular, doenças autoimunes e problemas genéticos

Os tratamentos para essa condição geralmente incluem o transplante de células da córnea obtidas de um olho saudável do próprio paciente. Já quando os dois olhos estão comprometidos, pode-se recorrer a transplantes de córnea de doadores falecidos.

O problema é que, no primeiro caso, os resultados podem ser incertos e é preciso fazer biópsia do tecido do olho saudável, o que é invasivo. No segundo, como explica o oftalmologista Flávio MacCord, diretor da SBO (Sociedade Brasileira de Oftalmologia), há o risco de rejeição pelo sistema imunológico do paciente. Os cientistas, então, usaram uma fonte alternativa de células para transplante: as células-tronco pluripotentes induzidas.

Técnica 'revolucionária'

A técnica baseia-se nas pesquisas de Shinya Yamanaka e John Gurdon, ganhadores do Nobel de 2012, que mostraram ser possível induzir células maduras de adultos para estado semelhante ao das células-tronco embrionárias, que podem se transformar em qualquer tipo de célula.

Os cientistas usaram células do sangue de um doador saudável, reprogramaram para um estado embrionário e transformaram em camada fina e transparente de células do revestimento da córnea, que foi transplantada nos pacientes.

Além disso, durante a cirurgia, o tecido cicatricial que recobria a córnea danificada foi removido, deixando a superfície pronta para o transplante. "Em seguida, uma camada de células epiteliais (que revestem a superfície) da córnea, cultivadas em laboratório a partir de células-tronco, foi posicionada sobre a área e fixada com costuras finas. Para proteger o enxerto e auxiliar na cicatrização, uma lente de contato terapêutica foi colocada sobre a córnea", detalha MacCord.

"O diferencial desse tratamento é que ele evita a necessidade de doadores compatíveis de acordo, então reduz o risco de rejeição imunológica", diz MacCord.

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Segundo o médico, a expectativa é de que esse avanço possibilite novos tratamentos para casos complexos, reduza a dependência de doadores e revolucione o manejo da deficiência de células-tronco.

O Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Sociedade Brasileira de Córneas e Bancos de Tecidos informaram ver com entusiasmo os resultados anunciados no estudo. "No entanto, o CBO e SBC alertam a população que esse procedimento é ainda experimental, carecendo de novos estudos para comprovar definitivamente sua eficácia e segurança e, assim, poder ser oferecido de forma ampla.

"Apesar da expectativa positiva, o CBO e a SBC pedem aos pacientes e familiares que aguardem a divulgação de outros resultados dessa pesquisa e que mantenham seus tratamentos em curso, depositando sua confiança nos médicos oftalmologistas brasileiros que os acompanham", acrescentaram em comunicado.

9 comentários

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Bernardo Degê

Viva os nerds! Viva todo mundo que é diferente, e estranho, e nos mostra novos caminhos. 

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Evair Jorge Correa Pinto

Ótimo. Essa notícia sim, muito agradável (diferente das fofocas aí do dia a dia). Agora, o que precisamos é que as Religiões e as Leis do país, parem de ficar enchendo o saco, contra os estudos com células-tronco. A ciência e medicina, não podem ser barradas, mormente por suposições e achismos. Vamos em frente para recuperar cegos, paraplégicos, amputados... O homem nunca vai ser Deus não, camaradas. 

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Raul Bernardo

Será que esse mesmo procedimento (célula tronco) ou semelhante poderá ser utilizado com sucesso no caso de danos irreparáveis (até então) na retina por conta de seu descolamento?

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