Epidemia invisível: dor crônica pode afetar 2 bilhões de pessoas no mundo

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Nesta semana, um dos jornais mais importantes do mundo dedicou a capa da sua revista semanal a um extenso artigo sobre dor crônica. Na matéria principal da The New York Times Magazine, a jornalista Jennifer Kahn conta a sua própria história com a doença, ao mesmo tempo em que destrincha o cenário do que chama de uma epidemia oculta: alguns estudos estimam que cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do planeta vivem com a condição, ou 1 em cada 4 pessoas.
Ela conta que, nos Estados Unidos, a quantidade de pessoas com dor crônica chega a ser superior que a dos pacientes com diabetes, doenças cardíacas e câncer combinados. Os números podem parecer surreais, principalmente porque estamos falando de uma doença invisibilizada e pouquíssimo estudada ao longo do tempo, mas parecem indicar um novo caminho para a pesquisa científica nas próximas décadas.

O desconhecimento a respeito da doença é um fenômeno mundial: médicos que não recebem formação adequada sobre o que é a dor e como tratá-la, falta de investimento em pesquisa e descredibilização de pacientes, já que se trata de uma doença cujas causas e fenômenos ainda permanecem na obscuridade.
Não temos respostas claras sobre o que faz com que uma pessoa desenvolva dor crônica, por que ela acontece majoritariamente em mulheres, e muito menos sobre como abordá-la corretamente, o que deixa pacientes muitas vezes perdidos e sem alternativas. Não sabemos por que pessoas que possuem exames com pouca ou nenhuma alteração sentem dor, enquanto outras com anormalidades visíveis não sentem nada.
Assim como a jornalista do New York Times, sinto isso na pele há bastante tempo, desde que desenvolvi dores crônicas sem motivos aparentes em 2021. Me identifico com a sua história: ela lembra que acordou um belo dia com dores nos braços, fez dezenas de exames e peregrinou por consultórios médicos sem obter resposta alguma.
Uma grande razão pela qual a dor crônica tem sido subtratada e ignorada por décadas é o fato de que a medicina tende a trivializar condições que não tem ferramentas para explicar. Jennifer Kahn
Ler isso me faz voltar no tempo, quando percebi que nenhum médico sabia o que estava acontecendo, e quando passei meses pesquisando no Google o que poderia haver de errado comigo. Testei diversos tratamentos e medicações, mas continuo a sentir dor 24 horas por dia.
É claro que já demos alguns passos para além do desconhecimento total. Hoje, sabemos que a dor pode ser considerada uma doença por si só; que seu desenvolvimento envolve componentes biológicos, sociais e emocionais; que ela afeta mais mulheres (para nossa sorte); e que os pacientes necessitam de um tratamento multidisciplinar.
Além disso, o assunto tem ganhado cada vez mais visibilidade. Já existem cursos específicos na área médica voltados para o estudo da dor, mais profissionais qualificados e clínicas especializadas, ainda que estejamos distantes do que existe hoje em relação à pesquisa do câncer, por exemplo.
A ciência tem dado alguns passos importantes em direção ao entendimento da doença, como detalhou a jornalista Jennifer Kahn em seu artigo. Ela percorreu os Estados Unidos em busca de pesquisas direcionadas ao problema, e encontrou trabalhos promissores - que não detalharei nesta coluna, mas que indicam um futuro menos inóspito.
Talvez eu não esteja por aqui para ver os resultados dessa nova onda de investimentos, mas uma coisa é certa: a dor crônica é atualmente um dos principais problemas de saúde global, e precisamos falar cada vez mais sobre isso. Que a gente possa abrir espaço na mídia, nas rodas de conversa, nos consultórios médicos e nos laboratórios de pesquisa. Para nós, que vivemos com dor, trazer esse tema ao centro do debate é uma questão de sobrevivência.
* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em uma coluna em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL.
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